27 de janeiro, de 2008 | 00:00

Método alternativo prova eficácia

Casal de Timóteo tenta se livrar de processo por educar filhos em casa

Alex Ferreira


Cleber e Bernadeth decidiram lutar contra modelo de ensino que consideram ineficaz

TIMÓTEO – Insatisfeitos com o sistema de ensino a que os dois filhos estavam submetidos em uma escola pública em Timóteo, Cleber de Andrade Nunes e Bernadeth de Amorim Nunes, residentes no bairro Bromélias, decidiram, há dois anos, resolver a questão por conta própria. O casal tirou os filhos Davi Andrade Amorim Nunes, 14 anos, e Jônatas de Andrade Amorim Nunes, 13 anos, da escola regular e adotou um método de estudo em casa, conhecido nos Estados Unidos como homeschooling e utilizado em países como Austrália, África do Sul, Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia, México e Japão. 

O problema é que, ao contrário dos outros países, no Brasil a legislação não reconhece essa modalidade de educação, embora abra exceções para ciganos, integrantes de trupes circenses e outros grupos que precisam, por cultura ou obrigação profissional, viajar de lugar em lugar. Para os integrantes desses grupos, os estudos podem ser feitos em casa e os exames prestados em instituições oficiais para comprovar o aprendizado. Em Timóteo, o caso da família Nunes foi denunciado ao Conselho Tutelar e depois ao Ministério Público.

A investigação resultou em uma ação criminal, em que o casal é acusado de abandono intelectual, e em uma ação cível pelo descumprimento de manter os filhos na escola com base no Estatuto da Criança e do Adolescente. A tramitação da ação criminal está suspensa. Já na ação cível o casal foi condenado, no dia 5 de dezembro de 2007, ao pagamento de multa e a retornar o filho mais velho para a 6ª série do ensino fundamental e o mais novo à 5ª série, as séries que cursavam quando se desligaram da escola formal.

O casal conta agora com o trabalho de dois advogados, Adilson de Castro e Gesiney Campos Moura, que buscam na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, argumentos segundo os quais os pais não podem ser condenados por buscarem métodos que consideram mais eficazes do que a escola regular para o estudo dos filhos.


Após a troca, garotos
fazem “desintoxicação” 

O pai, Cleber de Andrade Nunes, mostra duas declarações que no seu entendimento atestam a eficácia do estudo dos filhos em casa. Na semana passada, Davi, 14 anos, prestou vestibular para a Faculdade de Direito de Ipatinga (Fadipa) e passou em 7° lugar, com 78 pontos. O irmão, Jônatas, 13, passou em 13° lugar, com 58 pontos. Como ainda não completaram 18 anos, os estudantes não puderam ser matriculados e levar o curso adiante, mas a família não descarta a possibilidade de uma medida cautelar para assegurar a matrícula dos adolescentes no curso de direito.

Cleber conta que há dois anos, quando tomou a iniciativa de assumir a responsabilidade integral pela educação dos filhos, já acompanhava o estudo dos adolescentes e não gostava do desenvolvimento deles a partir da grade curricular da escola em que estavam matriculados. Também não se interessou por uma escola particular onde teria que pagar e os filhos passariam pelo mesmo processo. “Após saírem da escola regular, os meninos passaram por um processo de ‘desintoxicação’ do modelo formal de ensino e foram estimulados a buscar assuntos de interesse deles. Estudam variados temas, inclusive português, inglês, hebraico e tecnologia da informação. Com apoio de livros já desenvolvem sites e programação. São responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção da página da família www.voltandoaolar.org.”, explica.

A mãe, Bernadeth de Amorim Nunes conta que, inicialmente, viu com estranheza a proposta do marido de educar os filhos em casa. Depois de tomar conhecimento de outras famílias que fazem o mesmo e dos resultados do método, comum em outros países, acabou aderindo à idéia. “Conhecemos resultados obtidos por outras famílias que adotaram esse método. Muda-se a cultura do estudar. A criança gosta de aprender, mas precisa ser estimulada a isso sem a dependência de cronogramas e currículos”, diz Bernadeth, enquanto olha a filha, Ana de Andrade Amorim Nunes, 9 meses. “Ela já participa desse novo método de educação”, afirma.


MP diz que pais
agiram dolosamente

Na interpretação dos representantes do Ministério Público (MP), a decisão dos pais é contrária ao que prevê a legislação. Na ação, o MP afirma que os pais agiram dolosamente ao retirarem os filhos adolescentes da escola e que tal fato prejudica a educação formal, o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua qualificação para o exercício da cidadania e para o trabalho. Além disso, o MP alega que, ao serem retirados da escola, os adolescentes têm prejudicado o seu desenvolvimento psíquico e emocional em virtude do seu afastamento do convívio social.

O julgamento da ação seguiu pelo mesmo caminho. Ao analisar o caso, o juiz Ronaldo Batista levou em conta os preceitos constitucionais e o previsto na Lei 9394/1996, que tratam da obrigatoriedade do cumprimento de conteúdos mínimos no ensino público ou privado e estabelecem como princípios do ensino, dentre outros, o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, o respeito à liberdade e apreço à tolerância.

O juiz não aceita as alegações dos pais, segundo as quais o ensino formal deixaria os meninos expostos à degradação moral e intelectual, à violência, consumo de drogas e educação sexual imprópria. Portanto, a conclusão é que os pais infringiram o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao não enviar os filhos à escola. Por isso, houve a condenação ao pagamento de multa no valor de 12 salários mínimos para o casal, mais a obrigatoriedade do envio dos filhos às séries em que estavam matriculados na escola formal.

Alex Ferreira


Adilson e Gesiney querem reconhecimento da Justiça para iniciativa do casal Nunes

Família deve
intervir na formação

Os advogados Adilson de Castro e Gesiney Campos buscam nas mesmas fontes - Constituição Federal e a Lei de Diretrizes da Educação - a fundamentação da defesa do casal Nunes. Adilson argumenta que, para educar os filhos, a mãe interrompeu curso superior de arquitetura e o pai trabalha em casa para dar o suporte necessário ao ensino. “Utilizam para isso o método trivium - gramática, retórica e dialética”.

Ainda sobre a questão legal, Gesiney afirma que, ao contrário do que afirma o Ministério Público, os artigos 24 e 38 da Lei de Diretrizes da Educação garantem, sem qualquer ressalva, a certificação de crianças que estudam em casa. “Quero destacar o Artigo 205 da CF, segundo o qual ‘a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’ e é isso que os pais buscam.

Então, não há que se falar em abandono intelectual. Pelo contrário, os adolescentes são educados de forma eficiente, atestada agora com a aprovação que eles tiveram no vestibular para a Faculdade de Direito em Ipatinga”, afirma. Ambos os advogados acreditam que vão conseguir o reconhecimento da Justiça, ratificando a ação dos pais, e para isso já recorreram da condenação na área cível.

“Se os pais decidiram educar os filhos em casa, têm todo direito e caberá ao Estado apenas fiscalizar a eficácia desse modelo”, conclui Adilson de Castro, que tem um filho já em idade escolar e disse não ter dúvidas de que, se tempo tivesse, adotaria o mesmo modelo de educação seguido pelo casal Cleber de Andrade Nunes e Bernadeth de Amorim Nunes.

Alex Ferreira


Adolescentes mantêm convívio social e aprovam estudo em casa

 
Adolescentes levam vida social típica da idade

Aos 13 anos, Jônatas de Andrade Amorim Nunes se mostra muito consciente da mudança que sua família propõe em relação à educação. Na entrevista, diz acreditar que, ao estudar em casa, consegue rendimento superior ao de quem estuda na escola convencional. Quanto aos amigos, Jônatas conta que, inicialmente, acharam estranho o fato de estudar em casa. “Supunham que a gente ficava à toa dentro de casa, sem estudar.

Hoje eles sabem que não é assim e que há uma jornada de estudos a cumprir. Já se acostumaram e nem perguntam mais sobre isso” diz Jônatas. Como grande parte dos garotos de sua idade, diz gostar de computador, não usa a página de relacionamentos Orkut, mas confirma que acessa bastante o MSN, programa de mensagens instantâneas, para conversar com os amigos. Davi Amorim, 14 anos, é igualmente aplicado, embora menos falante do que o irmão mais novo. Ele também cumpre a jornada de estudos em casa, gosta da “novidade”, dedica-se também ao estudo da tecnologia de informação e diz manter o círculo de amizades na rua e no bairro onde mora.

Diante das perguntas, o pai interfere. “Você quer saber como eles estão do ponto de vista do relacionamento social, não é?”, pontua. Explico que sim e Cleber acrescenta: “A socialização é um dos argumentos mais repetidos quando se fala em educação em casa.

O real convívio social, que segundo a sentença judicial eles estariam sendo privados, não acontece em uma sala de aula onde alunos são confinados por horas olhando para a nuca do colega da frente, e estudando matérias, na sua maioria, dissociadas da prática. Como dizia Einstein, ‘seria um milagre que a curiosidade sobrevivesse à educação formal’ ou seja, escola não é um ambiente que fomenta a curiosidade e o desejo de aprender. Basta dar às nossas crianças a matéria-prima necessária: amor, atenção, recursos e eles com certeza nos surpreenderão”, conclui Cleber Andrade.

Alex Ferreira
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