
20 de dezembro, de 2007 | 00:00
Famílias criticam atuação do Incra
Morte de líder sem-terra em Pingo DÁgua poderá acelerar projetos
PINGO DÁGUA - Técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dirigentes da Pastoral da Terra e representantes das famílias do Assentamento Chico Mendes II, em Pingo DÁgua, estiveram reunidos esta semana para discutir a situação do assentamento, palco do assassinato do líder João Alves de Calazans, 50 anos, morto com um tiro na nuca quando estava na porta da casa onde morava, na noite de 11 de dezembro. Na reunião realizada terça-feira, os assentados reforçaram as reivindicações que envolvem o fim da invasão das áreas agrícolas por vizinhos dentro do próprio assentamento, furtos, marcos de áreas arrancados, falta de documentos e outras situações que os trabalhadores rurais apontam como conflituosas. No encontro, ficou agendada uma nova reunião, no próximo dia 26. Na assembléia geral, mediada pela Pastoral da Terra, será discutido o projeto da habitação para as 48 famílias do assentamento. Um técnico da Pastoral vai encaminhar propostas de melhorias das casas.Para financiar as reformas, o Incra promete liberar crédito específico para habitação de assentados. A expectativa é que cada família receba R$ 5 mil para investir em melhorias. Luta de oito anosO Projeto de Assentamento Chico Mendes II existe desde março de 1999. João Alves de Calazans lutava por ver concluído o processo destinado a assegurar a posse da terra às famílias que ocupam áreas que vão de 3 a 25 hectares. Segundo a Pastoral da Terra, quando houve a partilha da antiga fazenda, o Incra destinou as glebas menores para os trabalhadores que tinham vocação para o plantio de roça e as áreas maiores para aquelas com vocação para a agropecuária. O problema é que o projeto ficou pela metade e os conflitos se acirraram. Atual diretora da Associação do Chico Mendes II, a viúva Maria Aparecida da Silva Calazans pede justiça. Ela continua convicta de que há mais pessoas envolvidas na morte de seu marido, além dos dois detidos e conduzidos à delegacia de Caratinga. Enquanto o caso não é totalmente esclarecido, fico em casa sozinha com o meu filho de seis anos. Eu temo pelas nossas vidas. Só vou continuar neste lugar em memória ao meu marido. Por vontade própria, voltaria para minha terra, Sobrália”, conclui a viúva.Alertas sobre eclosão de conflitos foram ignoradosEm Nova Era, o coordenador da Regional Vale do Aço e Vale do Rio Doce da Pastoral da Terra, Hélio Martins da Silva, afirma que o agravamento dos conflitos nos assentamentos é uma constante. Ele contesta declarações dos dirigentes da superintendência do Incra em Minas Gerais, que alegaram desconhecer essa realidade. Na assembléia de terça-feira foram apresentados documentos que, desde 2006, relatavam as condições em que as famílias vivem no assentamento. Falta de água, insalubridade e sítios não demarcados estão entre as pendências. Tudo isso está confirmado por técnicos do Incra. Eles também previam a possibilidade de conflitos e chegaram a relatar isso, conforme documentos assinados e protocolados na Superintendência do órgão em Belo Horizonte. Então, não há como o superintendente ir para a televisão e dizer que não sabia de nada”, dispara o coordenador da Pastoral da Terra. Hélio Martins diz ainda que, sem agilidade na entrega da documentação para as famílias e o repasse dos recursos para que tenham melhores condições de vida, não há como aplacar os conflitos internos nos assentamentos. Hélio aponta a morosidade do Incra como principal responsável por essa situação. No entendimento do coordenador, se o Incra tivesse mandado uma força-tarefa a Pingo DÁgua, provavelmente não teria ocorrido a morte do líder Calazans. Segundo ele, um dos suspeitos não era assentado, mas teria comprado o direito” do filho de um assentado.Com a ação do Incra o rapaz teria sido retirado do local e isso evitaria o assassinato. Sabemos que o Incra está sucateado, e que o governo Lula está devendo muito em relação à reforma agrária. Éramos felizes e não sabíamos. As coisas agora acontecem de forma muito lenta, cheias de burocracia e ainda enfrentamos a inabilidade dos dirigentes do instituto. O episódio mais recente foi no Assentamento Puaia, em Santa Rita do Suaçuí. Lá existe um assentamento onde um grupo do Movimento Sindical reivindicou um assentamento, mas na hora de distribuir a terra o Incra levou gente do MST. Não foi respeitada a diversidade dos grupos e isso representa riscos para a segurança. Em Tumiritinga, o conflito interno também terminou em morte”, conclui Hélio Martins. Polícia Civil dá o caso por encerradoNa tarde de ontem, a Polícia Civil informou que concluiu as investigações sobre a morte do líder dos sem-terra, João Alves de Calazans, atingido com um tiro na nuca quarta-feira, 11 de dezembro, no assentamento Chico Mendes II, no município de Pingo DÁgua. Segundo nota da PC, os suspeitos Paulo Firmino, o Paulinho”, e Isaías de Andrade Silva tiveram prisão temporária decretada e estão recolhidos desde o dia 13 na Cadeia Pública de Caratinga.A polícia afirma que Calazans teria ameaçado expulsar Paulo Firmino do assentamento, por não aceitar a negociação de um lote entre ele e outro assentado, o que é proibido pelo Incra. Já Isaías, também teria se desentendido com o líder do assentamento, que o repreendeu por praticar furtos na região. As investigações apontam que Isaías vendeu a arma usada no crime a Paulo Firmino. Calazans foi morto no dia em que retornou ao município depois de uma visita à sede do Incra, em Belo Horizonte.O delegado Rodrigo Fraga, da Divisão de Crimes Contra a Vida (DCCV) vai agora pedir a prisão preventiva dos suspeitos, já indiciados por crime de homicídio. As investigações foram conduzidas pela unidade especializada e agentes da Delegacia Regional de Caratinga. A ação contou com apoio de soldados da 74ª Cia. de Polícia Militar.
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]