14 de dezembro, de 2007 | 00:00

Em busca do tempo perdido

Historiadores iniciam pesquisa sobre origens do ‘Achado dos Pretos’


Seu Jonas, um dos antigos lavradores do Achado de Cima: desconhecimento sobre as próprias raízes
SANTANA DO PARAÍSO - A partir do próximo ano, uma equipe formada por professores e alunos do curso de História do Unileste-MG se ocupará de uma tarefa importante para o reconhecimento das tradições culturais do Achado de Cima. Conhecida como “Achado dos Pretos”, a localidade concentra uma comunidade de negros que possivelmente tem origens quilombolas. A hipótese se sustenta pelas características em comum com outras comunidades quilombolas espalhadas pelo país. Conforme a professora de História, Cláudia Márcia Coutinho Dias, coordenadora do projeto de resgate cultural promovido pelo Unileste, os aspectos geográficos do “Achado dos Pretos” constituem um forte indício de que as suas terras foram ocupadas por remanescentes de quilombos. “No século XVIII, os quilombos, em sua maioria, ficavam escondidos, longe dos centros urbanos. Eram formados por trabalhadores rurais que não recebiam em espécie, mas em troca de mantimentos. Nas visitas que fizemos ao povoado, constatamos que estas características fazem parte de sua história. Nós não podemos afirmar, de maneira taxativa, que realmente se trata de uma comunidade quilombola, mas estes aspectos motivaram a elaboração do projeto para resgatar as origens do Achado dos Pretos”, explicou.Esta não é a primeira vez que a professora se envolve em um projeto de reconhecimento de uma comunidade quilombola. Recentemente, Cláudia Dias finalizou o projeto “Caxambu - Nossa História, Nossa Vida”, que conseguiu êxito no reconhecimento de uma comunidade afro-descendente do município de Rio Piracicaba, situado na região Central do Estado, na Bacia do Rio Doce. “O trabalho para pesquisar a história e as tradições de Caxambu levaram quatro anos, e estive envolvida durante os dois últimos anos no projeto. Nosso objetivo no Achado é promover a mesma transformação pela qual o Caxambu passou, após o início do processo de reconhecimento de duas raízes”, afirmou a professora. Pesquisa Inicialmente, Cláudia Dias prevê que o trabalho seja feito a partir de visitas semanais ou quinzenais ao “Achado dos Pretos”. Paralelamente, a equipe de historiadores irá investigar e tentar fazer levantamentos com base em documentos nos municípios de Mesquita e Santana do Paraíso, que estão mais próximos do povoado. Em Santana do Paraíso, onde o Achado está inserido, os registros oficiais da Prefeitura não possuem dados históricos sobre a comunidade negra. Em função dessas limitações, a professora acredita na importância de colher depoimentos com a comunidade e, principalmente, com os antigos donos de terra da região. “A oralidade é um instrumento de metodologia muito importante para a reconstituição da história do Achado, que aparentemente nunca recebeu um estudo aprofundado como este em fase de elaboração. Então, será importante contrapor as versões oficiais da história com aquela que permanece viva na própria comunidade negra”, contextualizou.Nas visitas feitas ao povoado, Cláudia Dias constatou que a comunidade não se reconhece na condição de remanescente de quilombo. “O fato de não haver uma valorização das próprias tradições acaba sendo prejudicial para aquela comunidade. O trabalho de mostrar o quanto é importante entender suas raízes será iniciado, primeiramente, entre as crianças e adolescentes. É um procedimento necessário para conscientizar os moradores mais antigos”, adiantou.A professora citou o exemplo do trabalho realizado em Caxambu, que se iniciou pela base, entre os estudantes mais jovens da Escola Municipal Bernardo Ferreira Guimarães, que fica localizada na própria comunidade. “Gradativamente, as documentações necessárias para comprovar que aquela era de fato uma comunidade quilombola foram surgindo, porque os mais velhos começaram a se inteirar e a colaborar com a pesquisa. Aos poucos, passamos a receber cartas sobre venda de escravos na região”, comentou.FundaçãoA professora explicou que, para que uma comunidade obtenha o reconhecimento, são necessários tais documentos. Após reunir as provas, o estudo é avaliado pela Fundação Palmares. Vinculada ao Ministério da Cultura, a fundação é uma entidade pública que promove a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

Nas visitas feitas ao povoado, Cláudia Dias constatou que a comunidade não se reconhece enquanto remanescentes de quilombo
De acordo com o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), existem aproximadamente 400 comunidades quilombolas em Minas Gerais, distribuídas por mais de 155 municípios. A maioria delas se concentra nas regiões norte e nordeste, com destaque nesta última para o Vale do Jequitinhonha. No Vale do Aço, Antônio Dias é o único município onde comunidades se reconhecem enquanto quilombolas. Em seu território, ficam localizadas as comunidades de Baú, Mangorreira e Indaiá, a mais conhecida e populosa.O caminho para a titulaçãoApós concluído o processo de reconhecimento de uma comunidade quilombola, os seus moradores passam a contar com benefícios garantidos por lei, através do artigo 215 da Constituição Federal, que assegurou a essas comunidades o direito à propriedade de suas terras. O processo de titulação das terras das comunidades remanescentes de quilombo segue o disposto em legislação federal e em legislações estaduais. Na esfera federal, o Incra é o órgão responsável por titular as terras de quilombo, conforme procedimentos estabelecidos no Decreto Federal nº 4.887 de 2003 e na Instrução Normativa Incra nº 20 de 2005.A professora Cláudia Dias diz que o projeto do Unileste possui objetivos mais voltados à conscientização cultural da comunidade. “A partir dessa transformação, os benefícios acontecem naturalmente. No Achado, já tivemos conhecimento de tradições como o congado e artesanato. A comunidade está inserida em um local de potencial turístico, e a junção de todos esses fatores poderá ser revertida a favor daqueles moradores”, enumerou. A professora calcula que este processo de reconhecimento não será alcançado de imediato. RejeiçãoNa visita do DIÁRIO DO AÇO ao Achado de Cima, os moradores mais antigos rejeitaram o nome “Achado dos Pretos”. A situação em que vive o lavrador aposentado José Ambrósio Fapa, de 73 anos, representa bem a falta de estrutura do lugar. Sua casa não dispõe de fossa asséptica, e “seu” Jonas, como é conhecido, desconhece as conseqüências da degradação ambiental causadas por essa precariedade. “Também não sei nada de escravidão, nem sei se os meus pais chegaram a trabalhar como escravos”, afirmou “seu” Jonas, que também não chegou a ser alfabetizado. Outros moradores ouvidos pelo DIÁRIO DO AÇO disseram que não tinham conhecimento sobre trabalho pago em troca de mantimentos. “Para facilitar o estudo, vamos levar membros do Caxambu até o Achado, para que eles entendam a mudança promovida naquela comunidade pertencente a Rio Piracicaba”, finalizou a professora Cláudia Dias.Roberto Sôlha
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