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12 de outubro, de 2007 | 00:00

Juiz vê culpa do Estado

Na Vara da Infância de Ipatinga, lotação nos abrigos é apontada como resultado da falta de investimentos sociais de vários governos

Fotos: Alex Ferreira


Maurício Leitão: Abrigos cheios em decorrência da falta de investimentos sociais
IPATINGA - O juiz da Vara da Infância e Adolescência de Ipatinga, Maurício Leitão Linhares, afirma que a adoção feita por brasileiros ocorre sem maiores problemas. Para ele, as dificuldades maiores ocorrem na adoção por casais estrangeiros, o que também não é muito comum. O magistrado conta que os interessados comparecem ao Fórum, vão ao setor psicossocial, passam por uma avaliação e entram na fila de adotantes. Em relação a quem perde a guarda das crianças, o juiz explica que geralmente são mães jovens sem condições de criá-las em segurança. “Geralmente nunca tem um pai nestas circunstâncias”, afirma.Sobre as crianças abrigadas em Ipatinga, o juiz da Infância admite que há incidência maior de adotantes vindos de outros Estados. Mas, no geral, o juiz nega que haja demora nos processos de adoção. “Alguns falam que os abrigos estão lotados, claro que estão lotados. O problema social no Brasil é muito sério. Os governos raramente investem nessa área, nem o federal, o estadual, ou o municipal. E eu não estou falando especificamente de Ipatinga. É uma coisa que a gente vê por todo lado”, reage.Ainda segundo Maurício Leitão, os abrigos ficam sempre cheios porque “se tiram cinco crianças, entram mais dez; se tira uma, entram duas”. “Não podemos é deixá-las na rua. Se tem bom tratamento, é isso que importa. A nós aqui no Judiciário cabe agilizar os processos para encontrar famílias substitutas”, reconhece.AmbienteEm relação ao caso de um menino encontrado pela reportagem, que já chega aos 14 anos de idade e mais de cinco anos de institucionalização, o juiz disse que já houve uma tentativa infrutífera de adoção e já há um casal interessado. “O menino está institucionalizado, mas está bem tratado e longe das ruas. Quando ele tinha 9 anos, a mãe saía com ele drogada, pelas ruas. Agora está em um ambiente maravilhoso, que é o EFAN. Aliás, deveriam existir vários, EFANs”, ressalta o magistrado.Maurício Leitão nega, no entanto, que tenha conhecimento das exigências dos casais adotantes, sobre preferência por crianças brancas, de olhos claros. “Não tenho ouvido sobre essa escolha de padrão. Isso a gente vê na televisão, escuta falar. As psicólogas falam de casos de pessoas que comentam isso, mas nos documentos isso não existe. Nós estamos em um país de mestiços e esse tipo de exigência seria irreal. Não interessa se é branco, azul ou amarelo, todos somos seres humanos”, afirma.Na estrutura de atendimento da adoção judicial, a Vara da Infância em Ipatinga conta hoje com quatro psicólogas judiciais e três assistentes sociais judiciais, que acumulam atendimentos nas Varas de Família e Criminal.

Eduardo Abrantes: “Precisamos de mais agilidade nos processos de adoção de abrigados”
Uma noite no educandárioEnquanto a reportagem aguardava a chegada do diretor do Educandário Família Nazareth (EFAN), no bairro Caravelas, uma menina que aparentava quatro anos aproximou-se com ar de curiosidade e perguntou: “Você veio me buscar?” Alguém que as leve para uma família é a esperança de muitas crianças nos abrigos. O problema é que a espera às vezes é longa. O diretor do EFAN, Eduardo Abrantes, confirma que encaminhou ao Poder Judiciário e ao Ministério Público relatórios que apontam a situação de crianças abrigadas em média há três anos. “Pedimos urgência nos estudos dos casos listados, uma vez que a permanência de crianças maiores coloca em risco a segurança das crianças menores. A capacidade da instituição é para 20 crianças, entre meninos e meninas. Mas em geral, sempre acima dessa capacidade, em torno de 25 a 29 abrigados”, explica.O diretor do EFAN conta que o normal seria uma pessoa ficar seis meses em um abrigo, mas na prática não é isso que ocorre. “Nosso estatuto rege que devemos atender a criança do berçário até aos 12 anos. Há casos aqui de três crianças que já estão abrigadas há 36 meses. Temos duas famílias de cinco irmãos e uma de três irmãos, todas internadas aqui. Essas crianças são encaminhadas para cá por meio da Justiça ou do Conselho Tutelar”, revela.DificuldadesApesar de ser apontado como modelo, o EFAN não está livre de dificuldades. O abrigo opera com a metade do pessoal necessário para cuidar das crianças. Segundo o diretor, o recurso que chega do poder público dá para pagar apenas a despesa com 11 funcionários. “O necessário seria termos umas 22 pessoas”, afirma.Sobre as causas de tanta demanda no abrigo, Eduardo Abrantes entende que são variadas. “Começa na educação. Muitas mães não são preparadas para a vida, alertadas dos valores familiares e humanos. Elas precisam entender que, além de gerar uma criança, é preciso cuidar. Estamos diante de um grande problema porque falta esse entendimento”, acredita.Diante do problema, o diretor do EFAN defende que o caminho mais correto é buscar mais agilidade por parte da Justiça da Infância nos processos de adoção.

Galdino: “abrigamento está relacionado à pobreza, falta de recurso financeiro e de qualificação profissional dos pais”
Esperança de um lar e nova vidaEm uma rua silenciosa do bairro Cidade Nobre funciona a Associação Nova Vida. O ambiente da rua parece esconder a realidade da casa onde estão abrigadas mais vítimas da situação social brasileira, que se reflete no Vale do Aço. O diretor de projetos da entidade, Moisés Galdino, confirma que já teve casos de crianças atendidas cujos pais ou avós também saíram de instituições no passado, o que mostra um ciclo de permanência de determinados grupos em um processo de desestrutura familiar.“Percebemos que, em sua maioria, o abrigamento está relacionado com pobreza, falta de recurso financeiro e de qualificação profissional dos pais, que leva à situação de agressão, negligência, abandono e acaba com a família sofrendo uma intervenção por parte do Poder Judiciário ou Conselho Tutelar, quando a criança vai parar em abrigos. Aqui é a ponta final de um grande problema social”, relaciona.No entendimento de Moisés Galdino, percebe-se entre tantos casos que às vezes não é só culpa da família. “Penso que o Estado é muito omisso, ao não suprir determinadas faltas. Já tivemos casos aqui em que as crianças foram retiradas de casa simplesmente por falta de comida para a família. Quando nós olhamos a vida da criança, o cartão de vacina, verificamos que está bem cuidada, mas passa fome. Percebo que o Estado falha às vezes e também contribui para esse quadro de institucionalização das crianças. O Estado precisa se fazer presente, mas não de forma assistencialista, precisa oferecer uma qualificação profissional e aplicar medidas que garantam a sustentatibilidade dos pais”, argumenta.MobilizaçãoO diretor do abrigo Nova Vida defende uma mobilização social em torno do assunto adoção. Para ele, a sociedade precisa ser informada sobre a importância de as famílias se cadastrarem no processo de adoção. “Quando pesquisamos as razões que levam uma família a procurar pela adoção de uma criança, descobrimos que, em alguns casos, é porque perdeu um filho e há necessidade de ‘suprir’ o vazio deixado. Já tivemos casos de pessoas que querem adotar porque simplesmente não têm filhos e estão com medo da solidão na velhice, e tem ainda as pessoas que querem adotar um menino para fazer par com uma menina que o casal já possui, ou vice-versa. Enfim, percebemos que as famílias têm uma série de razões para querer adotar e sentimos falta daquilo que é mais eminente, que é a vontade de ser pai, a vontade de ser mãe. Então, precisamos mostrar para a sociedade que, em se tratando de vidas humanas, uma adoção não pode ser por determinadas finalidades específicas e ocasionais”, conclui Moisés Galdino.Papel do MP nas adoçõesPara o promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude em Ipatinga, Fábio Finotti, a maior preocupação é que as pessoas não cortem a fila dos inscritos para o processo de adoção. “O Ministério Público fiscaliza o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. As pessoas devem se inscrever e se habilitar. Para tanto, devem apresentar atestado de bons antecedentes, avaliação psicossocial e, se tudo estiver bem, elas passam a figurar na lista de espera, descrevem as características da criança que elas querem adotar e, quando surge alguma criança, são chamadas aos abrigos para os primeiros contatos”, descreve.Em relação às crianças abrigadas, Finotti confirma que a primeira intenção é reintegrá-las às suas famílias, mas quando se conclui que não há mais possibilidades, a criança é disponibilizada para adoção. Sobre o tempo para se reintegrar uma criança ou entregá-la para adoção, o promotor de Justiça explica que os abrigos não têm consultoria jurídica para acompanhar os casos. Com isso, ficam todos acumulados na Vara da Infância e Juventude, que tem dificuldades para processar todos os pedidos. O promotor também confirma que, quando não há solução na adoção interna, é estudada a possibilidade de uma adoção internacional.Alex Ferreira
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