12 de outubro, de 2007 | 00:00

À espera de uma família

Vítimas de famílias desestruturadas e de um processo burocrático, dezenas de crianças ficam anos em abrigos

Fotos: Wôlmer Ezequiel


Cinco abrigos de Ipatinga estão lotados de crianças à espera de adoção
IPATINGA - Abrigadas em instituições, dezenas de crianças estão à espera de um lar. Em alguns casos o tempo de internação é tão grande que a criança acaba por rejeitar uma família. Enquanto isso, na fila de espera, casais apontam nos relatórios de preferência para adoção características que estão distantes do padrão genético predominante na população. A reportagem percorreu abrigos, ouviu juiz, promotor, assistentes sociais, representantes do município e dirigentes dos abrigos. O que temos a seguir é uma mostra do quadro resultante de um ciclo de famílias desestruturadas. No dia reservado para lembrar o seu dia, há uma turminha que tem pouco a comemorar, embora a inocência da infância ainda não a permita entender o que se passa exatamente.   Só em Ipatinga são cinco abrigos que deveriam ser de permanência breve. Em três deles, visitados pela reportagem, foram encontradas crianças com idades entre seis meses de vida e 12 anos, e adolescentes dos 13 aos 16, de cor predominantemente parda ou negra, originárias de famílias que já estão na terceira geração dentro de um ciclo de desestrutura. Para os dirigentes das entidades, as crianças nas instituições representam apenas parte de um problema, porque há os casos em que mães entregam os filhos a amigos, parentes e conhecidos. Nas instituições, a maioria dos casos é de crianças que estavam em situação de risco social e foram retiradas da família pela Justiça. Colocados nas entidades especializadas, os pequenos cidadãos sem lar podem ficar poucos meses a receber cuidados e depois voltam às famílias originais ou são entregues para os adotantes. Outros ficam anos a fio, jogados de lado para outro. O resultado é a institucionalização, a tal ponto que a própria pessoa recusa-se a ser adotada, prefere ficar nas entidades ou em uma situação pior, sair de volta às ruas.Cinco abrigos lotadosAtualmente em Ipatinga há cinco instituições principais que abrigam crianças em situação de risco. O abrigo Nova Vida, que funciona no bairro Cidade Nobre, o Educandário Família Nazareth (EFAN), no Caravelas, o Núcleo Educacional Luz e Esperança (NELE), no Canaã, o Núcleo Assistencial Eclético Maria da Cruz (NAEMC), no Limoeiro, e o Abrigo Municipal de Permanência Breve, no Veneza II. Este último foi investigado pelo Ministério Público, que determinou uma série de adequações físicas e funcionais para continuar a receber as crianças. O Abrigo de Permanência Breve do Município foi estruturado para receber crianças de 7 a 17 anos mas, como faltam vagas em outras instituições, passou a receber crianças até de um ano e meio.Todos os abrigos existentes em Ipatinga recebem dinheiro público municipal, mas só o Abrigo de Permanência Breve é de responsabilidade do município. O presidente do Departamento de Atenção à Criança (DEAC), Leonardo Rodrigues Oliveira, afirma que não se pode falar em abrigo sem falar em adoção. “A questão é delicada porque o perfil pretendido para uma família adotar uma criança normalmente está fora da realidade dos internos nos abrigos. A maioria dos que querem fazer adoção exige uma criança branquinha, de até dois anos de idade. Essa exigência, aliada aos trâmites legais a serem seguidos, está diretamente ligada à permanência por um tempo maior das crianças nos abrigos”, avalia.Quanto ao abrigo municipal, Leonardo Rodrigues informa que para os principais questionamentos em relação às condições de habitabilidade e higiene já foram buscadas soluções. “Preparamos mais uma oficina, com mais equipamentos destinados ao atendimento das crianças abrigadas. A inauguração deve acontecer nos próximos dias”, explica. Para uma capacidade de 15 pessoas, atualmente o abrigo tem 12 internos. Segundo Leonardo Rodrigues, vão para o abrigo municipal justamente as crianças que ninguém quis em outros lugares. Há inclusive casos de ato infracional e, por representar riscos aos abrigados e até para os monitores, a Justiça da Infância tem evitado enviar os adolescentes. Também não chegam mais adolescentes de outras cidades. As únicas exceções ocorrem quando há ordem expressa da Justiça da Infância. “Há casos em que a gente fornece a passagem para que ele volte para sua cidade de origem”, esclarece o diretor do DEAC.

Marco Aurélio: “Uma mulher rica quer comprar minha filha por R$ 200”
Uma vida em negociaçãoO catador de materiais recicláveis Marco Aurélio da Silva, 48 anos, tem uma filha de três anos em um abrigo. A menina foi retirada da mãe, apanhada em flagrante embriagada em um boteco com a criança no colo. Como foi uma reincidência, a Justiça da Infância retirou-lhe a guarda da criança. Marco Aurélio não mora mais com a mulher, mas diz que sente saudades da menina. “Gostava demais da minha filha, mas agora nem sei onde está. Não durmo de noite e nem consigo almoçar com prazer quando penso na minha filha. Queria que a Justiça fizesse alguma coisa por mim”, reclama. Na luta para tentar ter a filha de volta, Marco Aurélio conta que um advogado queria cobrar R$ 500,00 para trabalhar no caso. Sem o dinheiro, continuou sem a filha. Para complicar, ele conta que há alguns dias queriam lhe comprar a menina. “Uma mulher rica, do bairro Caravelas, veio de carro aqui e me ofereceu R$ 200 pela minha filha. Queria que eu assinasse um papel em duas vias, para reconhecer a doação e prometer que eu não procuraria mais a menina”, afirma. Sem casa, o catador Marco Aurélio mora no galpão de triagem de uma entidade de catadores, no bairro Veneza II. Ainda assim, diz acreditar que tem condições de criar a menina. “Eu me sinto injustiçado”, conclui.  Alex Ferreira
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