14 de setembro, de 2007 | 00:00

À espera da compreensão “lá fora”

“Quando você passa do portão principal para dentro, não importa mais o que aconteceu lá fora. Importa o que você será aqui dentro”

Fotos: Alex Ferreira


Reforma de estofados é um dos trabalhos com os quais Rogério ocupa o tempo na Dênio Moreira
Rogério José Amaral dos Santos, o “Rogerão”, como diz ser conhecido, aquele que no começo da conversa criticou o sensacionalismo da imprensa, disse que o objetivo maior da conversa era informar o que acontece de melhor na penitenciária. “Discutimos isso antes e queremos passar lá para fora o que é construído aqui dentro. O sonho de cada um só será concretizado lá fora se a sociedade entender que o trabalho dentro da unidade prisional é parte da construção desse sonho. O trabalho traz ocupação e permite àqueles que querem, o afastamento do mundo do crime”, afirma. Rogério, que por bom comportamento já conseguiu a progressão de pena, recentemente foi liberado para visitar sua família e retornou para o cumprimento do restante da sua dívida. Enquanto isso, trabalha como estofador e no serviço de corte e costura da PDMC. “Nossos sonhos pessoais, colocamos em prática na medida em que temos a saída temporária, depois o regime aberto e na condicional”, conclui. O último a falar, Marcelo Morais da Silva, disse que começou a trabalhar cedo, mas aos 18 anos teve a trajetória interrompida. Passados 11 anos, sonha em sair da penitenciária, esquecer o tempo do “desvio”, cuidar de sua filha, hoje com sete anos, estudar Ciência da Computação e trabalhar. “O mais importante foi entender que o dinheiro fácil é uma ilusão. Tive momentos de prazeres, mas terminei aqui, na penitenciária” afirma. No cumprimento de pena, trabalha na oficina de corte e costura. Acrescenta que o respeito e a oportunidade de trabalho foram os diferenciais que fizeram sua vida mudar dentro do sistema penitenciário. Segundo Marcelo, antes de Ipaba o seu sentimento como preso era de revolta, tinha vontade de fugir e continuar no crime. “Encontrei fortalecimento para a vida correta aqui”, concluiu.    Ao término da reunião, o diretor Adão dos Anjos disse que o comportamento dos homens em cumprimento de pena na PDMC reflete o pensamento repassado a todos que chegam à penitenciária: “Quando você passa do portão principal para dentro, não importa mais o que aconteceu lá fora. Importa o que você será aqui dentro”.

Trabalho: cumprir o previsto na Lei de Execuções Penais é apontado como diferencial em Ipaba
Penitenciária que dá certoCom capacidade para abrigar 348 presos em celas individuais, a Penitenciária de Ipaba tem hoje 363 presos. O diretor Adão dos Anjos explica que o excedente de 15 presos ocorre por- que a PDMC recebeu 21 presos removidos após a recente rebelião na cadeia de Ponte Nova, com o saldo trágico de 25 mortes. Conforme Adão dos Anjos, entre os homens em cumprimento de pena, a maioria estuda e participa de 30 frentes de trabalho. Padaria, marcenaria, lavanderia, corte e costura, lavoura, serralheria, oficina de lanternagem e pintura estão entre as atividades. “Nos próximos meses chegam à PDMC uma fábrica de tijolos ecológicos, uma fábrica de sacola plástica com reciclagem. Há uma proposta em negociação, para uma fábrica de bicicletas, mas isso depende de um novo galpão”, informa o diretor. Questionado sobre como consegue manter o controle no presídio, Adão dos Anjos foi direto ao assunto. “Aqui se cumpre a Lei de Execuções Penais. Tudo o que fazemos aqui está previsto na lei em vigor desde os anos 60. Todos os problemas das cadeias seriam resolvidos se a lei fosse cumprida como fazemos”, concluiu o diretor. Adão dos Anjos não esconde o fato de que nem todos concordam com os métodos empregados em Ipaba. “Somos vítimas da incompreensão. Às vezes eles acordam quando vêem as lambanças das rebeliões, das tragédias das Pontes Novas da vida”, dispara. Conforme previsto na Lei de Execuções Penais, a cada três dias trabalhados o preso tem reduzido um dia de sua pena. Além disso, o trabalho feito nas parceiras com empresas privadas ou para o Estado proporciona remuneração equivalente a três quartos do salário mínimo, sem vinculo empregatício. Deste total, 50% são entregues em mãos, outros 25% depositados para o Estado e 25% depositados em conta jurídica, com os recursos só liberados pelo juiz quando da expedição do livramento condicional do preso.A noite se aproxima e chegou a hora de sair. Talvez o grande segredo do funcionamento da PDMC como modelo, sem rebeliões e com resultados positivos na recuperação de homens, esteja nas mãos e comportamento do diretor Adão dos Anjos e funcionários da PDMC. Serenidade, conversa franca, rigor quando necessário e concessões justas dentro dos limites permitidos, foram algumas das ações percebidas durante a tarde em que a reportagem esteve no interior da Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho, em Ipaba.Oficina psicoterapêutica ensina escolhas diferentesOutra parte dos homens que cumprem pena na Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho (PDMC), em Ipaba, reúne-se de forma periódica na oficina psicoterapêutica, também desenvolvida em parceria com o Curso de Psicologia da Unipac. A psicóloga da PDMC, Anália Fernandes de Oliveira, explica que o atendimento psicológico é um programa aberto. “Cada um dos homens da penitenciária decide se participa ou não”, diz a psicóloga. Antes da sessão, protegida pelo sigilo profissional, houve uma breve conversa com a reportagem do DIÁRIO DO AÇO.Cleyton Firmino de Souza entende que a participação no grupo é interessante porque assegura convivência. “Conhecer o que o outro viveu é forma de se evitar tropeços”, resume. Eduardo Amorim afirma que vê no grupo uma oportunidade para a compreensão das pessoas. Moisés de Araújo Cristino afirma que cada um tem uma história para contar, mas cada uma complementa a outra. “Precisamos da visão do mundo para que a gente saia do crime”, diz. Novato na turma, Anderson Faria Reis está cheio de expectativas sobre o que vai vivenciar. Professora de Psicologia, Liliane Maria Alberto da Silva conta que, no começo, havia a preocupação de os homens pensarem que a psicoterapia fosse para ensiná-los a serem melhores. Conforme a psicóloga, sempre foi lembrado ao grupo serem todos sujeitos de um mesmo modo. “O que propomos aqui é um espaço para que eles possam fazer um encontro consigo mesmos, sem preocupação com o certo, com o errado, com o bom ou com o ruim. Está posto que eles estão em uma penitenciária. Isso é efeito de alguma decisão que tomaram em algum momento de suas vidas, mas não estamos aqui para julgar quem está certo ou errado, mas esse espaço de discussão pode mostrar que eles podem sair daqui e fazer escolhas diferentes. A vida deles não começou quando passaram pelos portões da penitenciária nem vai terminar aqui dentro” explica.Todos os programas, explica a Diretora de Atendimento e Ressocialização, Cristine Maria de Oliveira Lima Nogueira, funcionam com participação de funcionários da penitenciária.
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