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21 de outubro, de 2008 | 00:00

‘Eu sabia’, diz Nayara ao ser informada da morte de Eloá

Jonne Roriz/AE


Pessoas ao lado de fora do local onde ocorreu velório de Eloá, em Santo André, ABC paulista
SÃO PAULO (AE) - “Eu sabia que isso acabaria acontecendo.” Foi com essa frase, às 10h45 de ontem, que a adolescente Nayara Rodrigues, de 15 anos, reagiu à morte da amiga, Eloá Cristina Pimentel, da mesma idade. Nayara recebeu a notícia por meio de um grupo de psiquiatras. Deitada em um dos leitos do Centro Hospitalar de Santo André, aos prantos, ela chegou a pedir para ir ao velório, mas foi proibida pelos médicos.Coube à psiquiatra Suely do Valle Yatsuda dar a notícia à amiga de Eloá. Segundo a médica, Nayara contou que teria feito um “pacto espiritual” com Eloá. “Elas combinaram que uma cuidaria da outra se algo acontecesse. Desde o início, elas estavam prevendo o pior”, disse Suely, que afirmou que a adolescente não está apta a depor na quarta-feira (22). “Ela está de luto. Não deve depor ou voltar às aulas.”Suely estava acompanhada do também psiquiatra Clóvis Alexandrino e das psicólogas Marcia Guerra e Célia Gomes. De acordo com ela, Nayara deve ter alta hoje, após nova cirurgia. O procedimento é para a retirada de um aparelho usado na reconstrução de parte dos ossos do céu da boca. AjudaNayara levou um tiro na boca do seqüestrador Lindemberg Alves, de 22 anos, na última sexta-feira (17). O caso mobilizou as Polícias Civil e Militar durante mais de cem horas na semana passada. A adolescente chegou a ser libertada dois dias antes, mas voltou ao apartamento de Eloá, um conjunto habitacional na periferia de Santo André, para ajudar nas negociações pela libertação da amiga, que foi morta com um disparo na cabeça. Ontem (20), os peritos passaram no hospital para levar o projétil retirado da boca da Nayara para análise. Segundo Homero Nepomuceno, secretário de Saúde de Santo André, o quadro clínico de Nayara é estável. Acompanhada pelos pais durante todo o dia, ela já recebe alimentação pastosa - em lugar da líquida - e não toma mais sedativos. Os médicos, contudo, não permitiram o depoimento da paciente a policiais militares, que estiveram ontem no hospital, segundo os próprios PMs, para “acompanhar a evolução do estado de saúde da garota”.DepoimentoA reportagem apurou que os PMs queriam ouvir a menina em caráter informal. “Não existe pressão da PM. Houve uma consulta sobre o quadro clínico de Nayara. Eles foram informados que o quadro dela é apático e alternante. Ao mesmo tempo em que ela diz que já sabia que a colega iria morrer, ela também diz que isso não poderia ter terminado dessa forma”, afirmou o secretário. “Mesmo quando ela for depor oficialmente, será necessário um acompanhamento psicológico para evitar questões que abalem ainda mais sua estrutura emocional.”O depoimento de Nayara é considerado decisivo para as investigações. A jovem poderá responder se houve realmente um disparo do seqüestrador antes da invasão dos homens do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), versão sustentada pela Polícia Militar para legitimar o início da ação com explosivos para arrombar a porta do apartamento onde estavam as reféns, ou confirmar a versão de Lindemberg, que alega ter começado a atirar apenas após a invasão dos policiais.Questionado pela reportagem, o sargento Atos Valeriano, da Força Tática do 41º Batalhão, disse que estava no hospital de folga, apenas para acompanhar o prontuário médico e a evolução da paciente. O sargento estava com outros dois policiais também à paisana.Negociador “Quero oferecer ajuda, ninguém veio aqui para pegar depoimento”, disse o sargento, que foi o primeiro a negociar com o seqüestrador, na segunda-feira (13). “Um dos tiros dele (Lindemberg) passou a 30 centímetros da minha cabeça”, contou o policial.Valeriano contou que conversava com Lindemberg da janela do banheiro quando o seqüestrador efetuou os primeiros disparos, ainda na noite de segunda-feira (13). Em razão dos tiros, o jovem responderá também por tentativa de homicídio contra o sargento.O policial relatou ainda como foram as primeiras negociações com Lindemberg. De acordo com Valeriano, o seqüestrador foi agressivo desde o primeiro instante. Depois de quase ter se tornado vítima de Lindemberg, o policial ligou para o seqüestrador, perguntando o motivo da agressão. “Ué, você é policial e tem medo de tiro?”, respondeu o seqüestrador em tom irônico.RecuperaçãoAinda não há previsão para o depoimento de Nayara na Polícia Civil. Quarta-feira (22), antes de deixar o hospital, a adolescente passará por uma avaliação de dois dentistas, que decidirão se recolocação ou não o aparelho de ortodontia retirado para a cirurgia de reconstrução do céu da boca.Luciano Vieira, pai de Nayara, afirmou que a filha está se recuperando bem. Informado de que o seqüestrador estava com medo de morrer no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros, na capital, Vieira demonstrou ceticismo. “Não quero nem saber o que está acontecendo com ele, estou preocupado com a minha filha.” Polícia Civil vai apurar ação do GateO promotor de Justiça Antônio Nobre Folgado, encarregado de acompanhar o inquérito sobre o seqüestro e morte de Eloá Cristina Pimentel, diz não ter visto conduta criminosa dos policiais militares que conduziram as negociações com Lindemberg Alves. A menos que fique comprovada uma orientação explícita dos homens do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) para que Nayara Silva voltasse ao cativeiro, diz ele, os policiais não serão responsabilizados.“Até onde sabemos, foi ela quem decidiu entrar no apartamento, mas pretendo esclarecer isso definitivamente quando ela prestar o novo depoimento”, disse Folgado. Na opinião do promotor, Nayara pode ter descumprido as recomendações do Gate para ajudar a amiga Eloá, uma vez que já havia conseguido convencer Lindemberg a libertar ela própria e outros dois adolescentes que ficaram reféns nas primeiras horas.Apesar da avaliação inicial do promotor, a Polícia Civil pretende investigar a conduta dos PMs. O objetivo é saber se houve desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os policiais também querem saber como a invasão foi feita e se houve disparo antes da ação. A prioridade é ouvir o depoimento formal de Nayara, que só deve receber alta hospitalar na quarta-feira (22). “O inquérito vai tratar da narrativa dos fatos”, afirmou um dos delegados que participam da investigação. “Também vai dizer se ele atirou contra o escudo de um policial militar.” O plano é concluir a primeira parte da apuração até sexta-feira e enviar o relatório à Justiça. Mas a investigação deve continuar no que é chamado de “autos apartados”. “Não há nenhum revanchismo contra a PM. É nossa obrigação constitucional apurar os fatos”, afirmou outro delegado, referindo-se ao confronto entre as polícias na semana passada.ConandaNa tarde de ontem, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) divulgou nota oficial na qual pede apuração da conduta da PM e cita que se verifique um possível desrespeito ao artigo 232 do ECA. O artigo diz ser crime submeter criança a vexame ou constrangimento. O conselho lembra que o artigo 18 do estatuto diz ser dever de todos pôr crianças e adolescentes a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. “É evidente a inaceitável ação do comando de permitir que uma amiga da adolescente (...) retornasse ao cativeiro (...), bem como a malsucedida tentativa de resgate, que resultou no alto grau de exposição”, diz a nota.
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