02 de dezembro, de 2016 | 00:01

A vida trágica entre a transitoriedade e a aleatoriedade do mundo

Beto Oliveira *


No texto “Sobre a transitoriedade” Freud narra um passeio feito com dois amigos em que eles olham a beleza do campo e reclamam do fim certeiro de tudo o que é belo. De que valeira tanta beleza se a decadência é certa? De que adiantaria a formosura das flores se o inverno as extinguirá? Freud toma partido contrário e escreve uma breve e riquíssima análise defendendo que a transitoriedade, mais do que subtrai, empresta valor ao que é belo: “A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição”.

Algo dessa natureza dividiu espaço com a dor que me alcançou ao receber a notícia da tragédia do time de Chapecó que, após ir pela primeira vez à final de uma competição internacional, sofreu um acidente que tirou a vida de praticamente toda a equipe.

A tragédia reforça e relembra a transitoriedade não apenas da beleza que fruímos, mas de nós mesmos. Nada parece ser eterno e, como diria Chicó, célebre personagem de Ariano Suassuna, tudo o que é vivo está reunido num só rebanho de condenados, pois tudo o que é vivo, morre. Tudo é transitório. E, se isso tira o valor da beleza da vida para alguns, para outros, como no caso de Freud, implica em aumento desse mesmo valor.

Mas a tragédia, como toda tragédia, não apenas nos lembra de nossa transitoriedade, mas também de nossa condição derivante num mundo de infinitas possibilidades. Expostos a tantas contingências, a tantos acasos, a tantas consequências que mesmo que sejam evitáveis ou posteriormente explicadas, nos faz levar uma vida extremamente frágil e imprevisível.

Quem poderia duvidar que a defesa do goleiro Danilo no último minuto do jogo contra o San Lorenzo levaria a Chapecoense ao título? Todos estavam confiantes. Uma cidade inteira, ou mesmo um país, se preparava para o triunfo do clube. No entanto, o que muitos acreditavam fazer parte de um belo roteiro que levaria ao sonho e à glória, num instante virou pesadelo. E descobrimos pasmos que a vida não tem roteiro algum e que nela tudo pode acontecer. Assim nos vemos pequenos, fracos e impotentes diante dos acontecimentos.

Teria a vida perdido o sentido ao percebermos diante da tragédia que ela não tem mesmo lá muito um sentido preconcebido? Talvez a resposta seja a mesma dada por Freud em relação à transitoriedade. Diante da aleatoriedade da vida e da falta de sentido preestabelecido nela é que reside um dos seus maiores encantos e, justamente, a necessidade humana de construir algum sentido para os lances de dados do universo.

A campanha do time da Chapecoense, os gols e as comemorações, a luta, a defesa de Danilo, tudo isso não perde seu sentido e sua força, mas, pelo contrário, ganha outro tipo de valor diante dos acontecimentos. Essa é a expressão do que Nietzsche imagina ser um dos pilares de sua filosofia trágica: Amor fati, amar o destino. Isso não tem nada a ver com conformar-se ao destino, mas saber jogar com ele. Encará-lo como ele é.

Para Nietzsche, o elemento forte das tragédias gregas não era exatamente a dor e o final triste, mas a indeterminação. O herói trágico não controla seu destino, ele joga com ele, se abrindo para um mundo rico em prazeres e desprazeres. Ser trágico é isso, é perceber-se fora de um roteiro imaginado.

E ser trágico não é ser triste, é se abrir para as imprevisibilidades do mundo, que comporta alegrias, defesas inesquecíveis, belos gols, mas também tragédias, dores, derrotas, lutas e lutos. Ser trágico é lutar como o time de Chapecó lutou, sem saber exatamente onde iriam chegar. É enfrentar o adversário e as adversidades e aprender e experimentar a vida, transitória e aleatória, mas ainda assim encantadora. Força Chape.

* Psicólogo. Mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Coordenador do CEPP (Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise do Vale do Aço). Autor do romance “O dia em que conheci Sophia” e da peça teatral “A família de Arthur”.
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