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10 de novembro, de 2016 | 13:23

Juventude, um tempo de perguntas sem respostas

Beto Oliveira

A última nota que escrevi nesse jornal foi em ocasião do Dia da Criança, em outubro. Talvez agora seja uma boa hora para falar dos jovens. Afinal, o tempo passa e as crianças, mesmo as que tentam manter o espírito infantil, acabam por ver seus corpos se transformarem, o desejo desorganizar os ideais estabelecidos, as exigências das escolhas profissionais os lançarem em novos projetos, o ENEM bater a porta. Então, passamos da infância a juventude.

Se ao abordar a infância lancei mão da metáfora sugerida pela Mafalda quando diz que as crianças são como expectadores que entraram no cinema no meio do filme, a situação do jovem é um pouco diferente, embora guarde certas semelhanças. A infância é a idade de entrar no cinema e ver o filme do mundo já iniciado.

Por isso é também idade de tentar compreender o roteiro e se deixar acostumar com o que o Outro nos oferece. Num linguajar lacaniano, a infância é o período de alienação no desejo do Outro.

É o Outro, representado pelos pais, pela cultura, pela mídia, pelos governantes e por tudo o que já existia antes da criança, é que escolhe sua roupa, seu estilo, sua dieta; afinal, o Outro conhece o filme. É claro que a criança não aceita essa alienação de forma pacífica e por vezes mostra sua resistência, mas são tempos difíceis para afirmar o desejo que ainda está em construção.

Já a puberdade, quando a infância se finda, revela um momento de separação. Toda a fantasia que a criança havia construído com a ajuda do Outro, desde seus gostos, seus desejos, seus costumes, seu corpo, mostram-se insuficientes.

A identidade da criança é claudicada, ela não é mais criança, mas também não é adulta. As respostas do Outro, representado principalmente pela família, já não são suficientes. A criança percebe, e isso cada vez mais cedo, que os pais não sabem tudo. Eles também não entenderam muito bem o filme e muitos apenas repetem estereótipos.

Enfim, é uma época em que todas as respostas construídas na infância são revisadas, as escolhas são refeitas, o filme da vida, embora mais compreensível, não responde como ser feliz, nem o que fazer com as pulsões sexuais, o que fazer com a ânsia amorosa, qual o lugar certo de colocar o desejo. E isso por um motivo demasiado simples: é que na esfera humana a natureza não dá as respostas e elas precisam, então, ser construídas na esfera simbólica-cultural, o que faz com que não haja respostas certas.

Na perspectiva psicanalítica, a puberdade é exatamente esse encontro com a falta de respostas, com a falha do Outro, enquanto a adolescência é a forma como cada sujeito se vira com isso. A adolescência, assim, é um sintoma da puberdade.

Adolescência é a maneira como cada um vive o processo de transformações corporais, de separação dos pais, de choque de gerações. Logicamente, há várias possibilidades de essa passagem ocorrer, que vão desde a tentativa de recuperar a alienação no saber do Outro (por exemplo através do apelo às tradições ou em nova alienação em grupos extrafamiliares), até a separação radical do suicídio, do uso abusivo e solitário de drogas ou de aparelhos eletrônicos (atitudes que revelam um modo de satisfação sem o Outro).

No entanto, uma das formas mais caricatas da adolescência é a separação acompanhada de uma oposição ao Outro, uma indignação com o filme exibido pelo mundo. Convenhamos que essa forma de adolescência cause certos aborrecimentos e, por vezes, nos atrapalha a assistir o filme, mas saibamos também que sempre foram esses os personagens que provocaram as principais transformações mundiais, nos permitindo assistir uma trama, no mínimo, mais suportável.

Beto Oliveira. Psicólogo. Mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Coordenador do CEPP (Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise do Vale do Aço). Autor do romance “O dia em que conheci Sophia” e da peça teatral “A família de Arthur”.
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