27 de agosto, de 2021 | 14:07
A História não é memória e derrubar estátuas e bustos não a destroem
Daniel Medeiros *
Convivemos com bustos e estátuas como quem espera o ônibus na fila e nem repara em quem está na sua frente ou atrás de você. Os rostos passam, alguns até raspam nossos ombros em suas marchas apressadas, e também seguimos rumo aos nossos compromissos sem fixar a atenção em quase nada. Nas praças, nos parques, em frente a prédios públicos, nos saguões das repartições públicas, nos pátios das universidades, hospitais, estádios de futebol, nos auditórios e teatros, na entrada de algumas cidades, lá estão eles e elas, com seu bronze oxidado, escurecido pelo tempo, as imagens dos personagens que deveriam ser importantes para os que decidiram investir tempo e recursos neles e cuja memória desejavam compartilhar com o futuro, em um esforço de registro permanente, de suspensão do tempo e de fixação dos valores que justificaram a escolha daquela pessoa ou daquele fato.Há bustos e estátuas que são frutos da vaidade e muitas que são frutos da mistificação; há as que são frutos da propaganda oficial ou do desejo de agradar, como recompensa ou esperança de favores; há as que buscam reconhecer ou desagravar e as que buscam cumprir promessas ou destacar momentos justificadores de mudanças. Lembrai-vos de 35!”, diz uma dessas esculturas, com um soldado com arma em punho. As homenagens são lembranças e lembretes, papéis com revelações importantes guardadas no meio de livros que empoeiram nas estantes.
Homenageamos quem parece
merecer um registro para a
posteridade, por ter contribuído
ou representando algo importante para nós”
Mas então o tempo passa, a cidade muda, as memórias se esfumam, outras se formam ou aquelas mesmas se rearranjam, como as pedrinhas nos caleidoscópios. Algumas das personas retratadas tornam-se personagens de outras narrativas, novas facetas de suas histórias são reveladas, novas fontes são descobertas, novas perguntas são feitas, cujas respostas reposicionam aqueles rostos e aqueles corpos esculpidos em poses majestosas e a visão sobre eles e elas muda de tom. Muitas vezes, o tom de drama se torna raiva, e o herói, desafeto. A estátua que homenageia vira ofensa e acinte.
Os italianos que chegaram aos EUA nos anos vinte queriam ter um elemento em comum com o novo país, fazer parte. Além da pizza e da tarantela, encontraram no genovês Cristóvão Colombo uma interface com aquela terra. E mandaram erigir estátuas do descobridor. Um século depois, muitas delas foram derrubadas porque Colombo não era mais o italiano que ajudou milhões de europeus a construir histórias em outro continente, mas o facínora que iniciou o extermínio dos povos originários. Uma estátua com pedestal de barro
Homenageamos quem parece merecer um registro para a posteridade, por ter contribuído ou representando algo importante para nós. É nossa narrativa que queremos reforçar quando escolhemos alguém como especial. Getúlio foi o maior algoz dos comunistas na História do Brasil, um ditador sanguinário, mas hoje muitos o incensam por ter lutado pelos trabalhadores”. Muitos atacam o projeto de privatização dos Correios, tornado empresa pública, com capital controlado pela União, em 1969, no auge da ditadura militar.
Podemos perder o bonde da
História e acabarmos, em plena
democracia, dando vivas a quem
acha que torturador é herói da Pátria”
Para muitos paulistas, os bandeirantes desbravaram os sertões, descobriram riquezas e contribuíram decisivamente para a formação territorial brasileira; para muitos paulistas, os bandeirantes eram predadores de índios, destruidores de quilombos e devastadores ambientais. Para a primeira versão deles, mereciam uma homenagem, como a de Victor Brecheret ou Júlio Guerra. Para a segunda versão deles, tinta vermelha na homenagem de Victor Brecheret ou pneus queimando na homenagem de Júlio Guerra.
A História não é memória e derrubar estátuas e bustos não destroem" a História. História se produz questionando o passado a partir das indagações sempre novas do presente. Ninguém está imune a perder a pose ou cair do cavalo. O importante não é jogar lenha na fogueira. O importante é prestar atenção ao que nos rodeia e não vivermos como quem espera o ônibus na fila e nem repara em quem está na sua frente ou atrás de você. Assim podemos perder o bonde da História e acabarmos, em plena democracia, tão duramente conquistada, dando vivas a quem acha que torturador é herói da Pátria.
* Doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo. [email protected]
@profdanielmedeiros
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Tião Aranha
28 de agosto, 2021 | 09:15O problema todo são as divergências políticas, religiosas ou econômicas. Enquanto isso, as múmias vivas perambulam por aí. Risos.”
Marilene
27 de agosto, 2021 | 16:38Antes era permitido fumar em ambientes fechados, ônibus, aviões enfim.
Hoje já não é assim.
Antes construíram monumentos, bustos, rostos, sei lá.
Também homenagearam um certo Che Guevara não brasileiro, em um hospital do Rio de Janeiro, RJ.
Hoje, pode-se vandalizar, queimar, picar monumentos, bustos, caras, que o cidadão fica desobrigado das penalidades da lei.
Daqui uns dias vão acabar com as relíquias históricas de Ouro Preto, MG, sob a opinião de não existe anjos, devido a maus tratos aos escravos etc., etc., etc de mentes ociosas.
Tiradentes está ultrapassado, porque hoje temos sofisticados tratamentos ortodônticos e ele arrancava dentes com alicate maior que um braço e sem anestesia.
Perigoso artigo!
Não gostei.
Monumentos, bustos é um patrimônio de civis, município, Estado ou União.
A direção quilombada retirou o desperdício.
A galera chora sem o leite.
O hospital não foi vandalizado.
Outros monumentos também não serão depredados.
Colombo passou e não ficou por aqui.
Trazer as más modinhas para cá, também pode.
Isto é canseira demais.”