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01 de julho, de 2021 | 14:01

A bolha, o Louvre e o compromisso democrático

Maria Inês Vasconcelos *

“Os ricos voltaram para as escolas, e estudam nas chamadas bolhas, com tantos cuidados que o coronavírus só de ver, se recolheria”

O termômetro de uma democracia é medido pelo grau de confiança dos cidadãos nas instituições. Nesta época de pandemia, o SUS como instituição saiu fortalecido. A vacina chega para todas as classes sociais sem barreiras, muito embora alguns babacas da elite tenham tentado furar fila e receber a dose antes de outros.

Além de patética, essa atitude é contrafática do espírito coletivo e só reforça o que Thomas Hobbes há 300 anos, afirmava no seu livro Leviatã: “O homem é mesmo o lobo do próprio homem”.

A ideia de um contrato social que possa viabilizar a vida na sociedade, passa por costuras no sentido de reduzir vontades individuais, para depois unificá-las.  Pode-se dizer então, que a sociedade precisa ser vacinada, mas agora de outros vírus, que ataque o egoísmo e é o egocentrismo, para que possamos tentar restaurar padrões realmente típicos de uma democracia.

A educação estabelecida pela Lei na pandemia, digo lei porque os estados realmente decidiram é à distância. A partir desse traço político e legislativo uma problemática surgiu exigindo do estado uma posição efetiva. Contudo o que vemos é um estado mínimo, completamente recolhido. Ao contrário da vacina da covid- 19, aqui não há tratamento igualitário para o povo.

Há milhares crianças fora do banquete da educação que deveria ser e que metaforicamente vem se mostrando ser um jantar de cadeiras marcadas. Os ricos voltaram para as escolas, e estudam nas chamadas bolhas, com tantos cuidados que o coronavírus só de ver, se recolheria. Alienados na bolha não devem estar preocupados com os outros coleguinhas que vivem de fora dela. Do outro lado da cidade...

As escolas da elite sofreram um verdadeiro retrofit, com staff preparado para receber até mesmo reis e, uma série de novos padrões foram implantados, havendo até mão e contramão nos corredores da escola. Aliás, neste aspecto, foram criativas. Cada uma avançou além de outra, para blindar as crianças do contágio com a covid. Há regras de movimento e deslocamento interno. Escalas de horário com intervalo milimétrico e normas para regular a chegada e saída. Sempre vejo uma multidão de funcionários na porta esperando as crianças no momento do desembarque.

As carteiras, por sua vez, estão alocadas com espaçamento enorme. Há drive thru no desembarque. Espaço para guardar mochila, saquinhos, materiais descartáveis, sapatinhos e pantufas. A escola é como uma ida ao Louvre.
Já do outro lado, na região da bastilha, o ambiente é outro: as crianças, pelo contrário, estão desprovidas do básico: máscaras, sabão, álcool e tênis. A maioria usa mesmo é chinelo. Para isso, não há vacina.

Acentua o fosso social, o fato de as escolas públicas não estarem retrofitadas. Estão abandonadas. Muitas nunca viram tinta ou reparo e nem qualquer tipo de benfeitoria, com parcas exceções.

A falácia do ensino a distância, agravou a desilusão. Os dados revelam que 70 por cento das crianças não têm computador e que o acesso à escola, 30 por cento é feito pelo celular dos pais. É uma ficção essa história de que a tecnologia uniu as pontas e permitiu a comunhão.

A tecnologia, como vetor é uma maravilha. Ela viabiliza que uma aula seja frequentada por gente do mundo todo de uma só vez, mas esse fetiche, não se aplica a pobreza. A flexibilização do capitalismo moderno oferece um grande ambiente para o crescimento pessoal, na medida que permite todas essas novidades na educação. Mas também pode se tornar uma opressão, de modo acrítico pode se tornar paradoxal.

As aulas voltaram para alguns, para os que têm acesso ao universo high tech, para as crianças que podem ir e vir de carro, com seus uniformes limpinhos.  Esta bolha é puro poder. Mas fazendo uma visão da realidade, essa bolha, na realidade é furada para uma grande massa de crianças brasileiras, que sequer são dignas de nota como seres humanos. Para estas, a reinvenção do modo de ensinar, sua flexibilização e o próprio ensino a distância, nada disso, diminuiu a sua exclusão.

Estas crianças ao contrário das outras, não estão protegidas por nenhuma bolha, muito pelo contrário, estão atiradas à própria sorte. Aqui o ensino é distribuído de maneira desigual, sem qualquer contabilidade razoável, exclui-se milhões de brasileiros da educação, numa onda que provoca o esvaziamento, o verdadeiro sentido da norma constitucional. Precisamos de uma vacina, que atenue essas relações desiguais. Essa bolha é uma espécie de traição do compromisso democrático.

* Advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora.
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Comentários

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Tião Aranha

04 de julho, 2021 | 09:43

“Vitória tb começa com a letra v. Ninguém sabe se a saída deste país está no v do voto ou no v da vacina.”

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