16 de abril, de 2021 | 14:07

Segue na luz, Nivaldo

Alencar Andrade *

“Nivaldo morreu porque não tomou as duas doses da vacina. Qualquer uma delas”

Uma pessoa que se cuida, trabalha em casa e protege a ela e àqueles com os quais convive, começou a tossir na sexta-feira. Até então, ele estava bem. Tirando as coisas normais da idade, para quem já passou dos 65 anos. Estava sim preocupado com o tal vírus que provocou a façanha inacreditável de parar o mundo.

Queria tomar logo as duas doses da vacina para voltar às alegrias com as filhas e, muito especialmente, as netas. Ahhh, as netas, que delícia é curtir essas criaturinhas lindas que nos divertem e encantam tanto.

Queria também curtir mais a esposa. Companheira de tantos anos. Era o momento de paz, após vencidas as agruras das décadas iniciais da vida profissional e de casados. Da correria para criar filhos e do tempo custoso para fechar a ferida profunda da perda de um filho.

Hora de fazer uma ou outra viagem. Reencontrar velhos amigos e parentes nunca esquecidos, embora distantes.
Que sexta-feira estranha. As notícias dos jornais e da TV não são boas. Muito ao contrário, são as piores possíveis. Achávamos que mil mortes por dia era um absurdo, inaceitável, uma catástrofe. Do nada, o jornal estampa duas mil mortes a cada 24 horas. Sobe para três mil. Agora já são impensáveis quatro mil mortes por dia! Por dia!

Nosso personagem é internado. "Se Deus quiser não há de ser nada". "Vamos rezar e acreditar". Visitas não são permitidas. As informações médicas são sempre insuficientes. Aliás, nem queremos ouvir muito sobre quadros complicados, dificuldade de intubação, sistemas de saúde em colapso. "Ele vai resistir. Era só uma tosse!" "Será?" "Nem duvide, pelo amor de Deus".

O que é um sábado e um domingo? Passam voando. Menos este. Talvez nunca passe. Nivaldo Resende foi sepultado na segunda-feira, 12 de abril. Que dor! Que vazio!

Ele não morreu por ter desafiado a ciência. Por acreditar em teorias conspiratórias e acusatórias, sem nenhum fundamento ou prova. Ele não morreu por colocar em risco a própria existência dele.

Arquivo pessoal
Nivaldo Resende morreu vítima da covid aos 67 anos Nivaldo Resende morreu vítima da covid aos 67 anos
Nivaldo morreu porque não tomou as duas doses da vacina. Qualquer uma delas. Todos os estudos sérios indicam que, a pessoa imunizada, se pegar a doença, terá os sintomas muito abrandados. Praticamente torna-se impossível morrer da doença. Mas Nivaldo está morto.

Nivaldo e outros mais de 350 mil brasileiros foram mortos. Mais do que em Chernobyl, o maior desastre nuclear de todos os tempos. Muito mais do que nas duas bombas atômicas que os EUA jogaram no Japão, na II Guerra Mundial.

A matança no Brasil é tamanha que torna evidente sua caracterização como genocídio. A definição é como um acender de luzes: "cometer crime contra a humanidade", praticando atos que visem destruir total ou parcialmente um grupo nacional. Isto é o negacionismo. É atrasar, desestimular, desdenhar das vacinas e de todas as medidas eficazes para reduzir ou estancar a mortandade.

Genocídio é fazer troça de centenas de milhares de cadáveres. É se desdizer a todo instante, com desfaçatez e evidente falta de empatia com as famílias enlutadas. Nivaldo é mais uma vítima do genocídio praticado no Brasil, de forma deliberada e muito doentia.

Na década de 1980, fui contemporâneo de Nivaldo no jornalismo do Vale do Aço. Sinto uma dor profunda por ele ter falecido de forma tão cruel e tão evitável. Minhas condolências choradas à família e a tantos amigos que Nivaldo cultivou em todo o mundo. Segue na luz, camarada!

* Jornalista.
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