31 de março, de 2021 | 14:44

A democracia e o retrato da educação

Maria Inês Vasconcelos *

“Há que se criar um plano B para as crianças sem computador ou para os filhos daqueles que só tem um telefone em casa”

A educação é para todos! A vontade do legislador brasileiro sempre foi a de incluir esse conceito, tanto que a Constituição Federal quando trata da educação garante: ela é para todos. Esse mantra indica que o direito à educação, que aliás é um direito fundamental público, não comporta degraus, ou escalonamentos. Mas que se distancia completamente da realidade, na medida em que o nível de proteção desejado pelo legislador não corresponde à realidade - que retrata um grande estigma social.

Para quem é do Direito fica fácil entender. Mas para quem é leigo, essa diretriz constitucional não é clara. O que seria escalonamento do direito? Seria o mesmo que criar faixas no exercício desse direito, como se alguém tivesse mais direitos do que o outro.

Mas a verdade é que a educação não aceita qualquer diminuição em seu espectro. É um direito sem níveis. Ela se destina a todos, mas nem todos a tem. Nasce então uma dualidade: a norma vira poesia, se distancia do fato social.

A verdade é que milhares de crianças estão fora da escola, situação aguçada pela pandemia. Ricos e pobres, estão todos fora da escola. A tecnologia, como vetor, foi a liturgia que iria viabilizar o acesso, mas os dados chocam. Cerca de 45 por cento dos alunos de escola pública não tem computador em casa. E 21 por cento acessa a internet apenas pelo celular, conforme pesquisa da Cetic 2019, divulgada pelo G1. Ou seja, o ensino à distância é uma ficção, pelo menos para 45 por cento das crianças brasileiras, revelando uma face bizarra da nossa democracia.

Ora, um país como o Brasil se figura no cenário mundial como uma consistente república, muito embora seja essa repleta de fendas.

De acordo com a Avaliação Internacional Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), divulgados no quarto trimestre de 2019, os resultados apresentados não são muito animadores para o Brasil: entre 58º e 60º lugar em leitura, entre 66º e 68º em ciências e entre 72º e 74º em matemática não tem desculpas para não rever ou melhorar esses resultados.

Está evidente que neste campo há um desgoverno ou que as políticas públicas não estão encontradas. Há que se criar um plano B para as crianças sem computador ou para os filhos daqueles que só tem um telefone em casa. Chega a ser surreal cunhar a expressão "ensino à distância", se essa distância é intransponível pela falta do próprio insumo. O ensino realmente não vai chegar.

Os ricos por sua vez sofrem com o tédio das aulas online. Com todo nonsense das aulas online com duração de cinco horas. Com a nervosia dos pais. Com o cansaço dos professores que exasperam para tentar uma conexão com os meninos que não sabem mais o que fazer para manter o interesse. A sala de aula virtual é quase pública: pai, mãe, tia, alunos e quem mais quiser participar. Todos assistem a aula, basta um login ou uma senha. E a sala mais se parece com um laboratório e não se sabe quem mais sofre, se o professor completamente exposto e vulnerável ou o aluno.

Mas existe uma brutal diferença entre um e o outro. Os com computadores e os sem computadores. As primeiras crianças têm a opção de não estudarem. As segundas, não.

A estas, que também são cidadãs brasileiras, não há nenhuma possibilidade de desligar a telinha ou ficar com a mamãe fazendo outra coisa enquanto termina a aula. Não tem direito a Netflix, youtube, personal, aulas particulares, viagens para Bahia na pandemia, nem tampouco uma terapia.

Elas apenas sobrevivem. São excluídas não só da eficácia da norma, como de tanta coisa, que nem se cogita mais tratar com tanta prioridade do direito à educação que foi feito para ser para todos. A descidadania é tão acentuada que outras exigências se tornaram maiores.

E hoje, o que se vê são pais lutando para plenitude do direito à vida. Tem faltado tudo. A liturgia de que lugar de criança é na escola foi substituída. É desalentador. Mas não nos falta lucidez mental. Não sabemos verdadeiramente aonde estão essas crianças. O que comem, o que bebem, se brincam, se traficam, se são vítimas de violência e como passam os dias fora da escola nessa pandemia.

Sabemos que elas estão à mercê de seus direitos. Não podemos assumir uma atitude ingênua. Conhecemos que os processos bem-sucedidos na educação ocorreram tomando-se em conta as diferenças regionais e contextos que envolveram situação de endogenia no seu processo; neste país de inspiração democrática, mas que precisa urgentemente acudir a educação, uma porta aberta para a violência, que como problema social leva a impotência e paralisia diante da magnitude do problema. Como dizia Cartola, “O mundo é um moinho”. E esse moinho reduz ilusões a pó.

* Advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora.
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Comentários

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Tião Aranha

31 de março, 2021 | 16:35

“O Japão construiu um projeto de escola com culminância para um prazo de cem anos. A Sociedade brasileira precisa escolher o paradigma de escola que quer.”

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