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01 de março, de 2021 | 10:15

Homens, usem calcinha

João Paulo Xavier *


Os homens não gostam de mulheres. Se você é homem, provavelmente, você não gosta das mulheres. As civilizações ao redor do mundo não gostam das mulheres e, hoje, aturam esses indivíduos resilientes que sobreviveram a todas as nossas tentativas de acabar com a raça delas. Uso, aqui, o termo raça emprestado das mesmas pessoas que criaram “a raça negra”, não sou capaz de explicar esse conceito devido a questões biológicas. Deixe-me te convencer que você não gosta das mulheres.

Você está sozinho em casa e enquanto caminha pela sala chuta aquela quina da parede com o pé descalço. A dor que te atinge como um coice no estômago, faz você gritar, bem alto, um palavrão. O que você gritou? O que as pessoas, tradicionalmente, costumam gritar quando estão com raiva de algo ou estão brigando com alguém?

Errantemente pelo instagram, entre curtidas e stories, deslizei para um vídeo publicitário que oferecia aulas de canto. Estudamos várias coisas, aqui em casa, durante este período pandêmico no qual nos encontramos, e a música foi uma delas. Assisti com atenção a oferta, as técnicas que seriam ensinadas e os materiais disponibilizados.

Estava totalmente envolvido até que uma frase apareceu na tela, como argumento final da venda das aulas para o público masculino: “o seu belting (que é uma técnica vocal) usa calcinha?” Após esse questionamento, o preparador vocal seguiu com sua oferta que não mais me interessou.

Além do mal gosto publicitário, essa frase esconde uma atitude comum que muitas vezes passa desapercebida para muitas pessoas. Supostamente, criadas para serem auxiliadoras dos varões e genitoras de seus filhos, os papéis atribuídos às mulheres, desde muito tempo, têm sido aqueles de inferiorização social, servidão e uma objetificação que transita entre ser a propriedade de um homem ou seu utilitário de prazer sexual.
Responsabilizada, segundo a mitologia cristã, pela queda do homem, as dores biológicas do parto foram um castigo divino providencial para vingar uma atitude tomada em livre-arbítrio. Perseguidas e queimadas nas fogueiras da era medieval, entre os séculos V e XV, acusadas de bruxaria ou de libertinagem(?) – o que me faz questionar, essa libertinagem era praticada com quem? Por que só as mulheres eram responsabilizadas por isso? – Acredito que tenha sido em algum momento dessa época que o famoso xingamento (que em sigla é composto por três letras) tenha surgido.

Quem não foi assassinada até o século XVI e que exercia uma fé cristã-cidadã-de-bem não poderia entrar na igreja, congregar ou cantar em público na Itália. Uai! Esse impedimento do Papa Sisto V causou problemas, principalmente, nas óperas religiosas. Como os corais continuariam a ter suas divisões vocais de vozes mais finas – sopranos - se as vozes dos meninos engrossavam devido à puberdade?

O ódio contra as mulheres foi tão grande que em vez de permiti-las em seus corais, a solução encontrada foi a castração dos meninos antes da mudança vocal para que pudessem manter vozes finas nos corais das igrejas.

Com a modernidade, a partir do iluminismo, nos séculos XVII e XVIII, a situação ficou um pouco mais elaborada. As diversas proibições sociais continuaram: Estudar? Não! Voto? Não! Trabalhar? Não! Sentir prazer? Não! Ser dona do próprio corpo? Não! Dizer não a um homem? Não!

São vários acúmulos de proibições que historicamente comprovam a minha certeza, os homens odeiam as mulheres. Qual foi uma das primeiras proibições de Hitler e dos governantes Sul-Africanos durante o Apartheid? Controlar o corpo das mulheres e dizer com quem elas poderiam ou não se relacionar. Hoje, as mesmas discussões primitivas e simplórias, sobre o direito de as mulheres tomarem decisões com relação ao seu próprio corpo continuam sendo feitas por nós homens que nos balizamos religiosamente, graças a deus, para decidir experiências das quais somos meros expectadores, isso quando não sumimos para não assumirmos nossas responsabilidades. Nós as assediamos nos espaços públicos, ônibus, mercado de trabalho.

Pagamos salários menores e incompatíveis com suas qualificações, mesmo quando desempenham a mesma função que nós. Tentamos, com as melhores das intenções, explicar coisas óbvias para elas, por exemplo, quando elas têm uma ideia e repetimos a ideia delas para elas como se fossem nossas.

Uma moça respondeu ao meu anúncio no qual vendia meu carro, ano passado. Marcamos e ela veio conversar comigo. Disse que era engenheira mecânica e que trabalha para uma das indústrias aqui da região. Queria trocar de carro e o meu parecia atendê-la.

Por isso, fez um test-drive, gostou e combinamos de fechar negócio no dia seguinte. Na hora marcada, ela veio acompanhada de seu pai. Até aí tudo bem, eu sempre que posso vou com meu irmão, que é mecânico, para ter uma segunda opinião quando o assunto é veículo.

No caso da moça, a presença do pai não era por um conhecimento específico dele porque ela não dirige. Era porque “já viu mulher, né? Não sabe de nada”, ele disse. Felizmente, discordando respondi que, definitivamente, não parecia ser o caso da filha dele que formada pela UFMG e engenheira mecânica de uma empresa multinacional, ela sabia mais do que ele e eu juntos.

Pisquei para ela enquanto ela segurava o riso orgulhoso. Se diminuímos as mulheres até mesmo quando são as nossas filhas e descreditamos seus feitos e desacreditamos em seu potencial, fica evidente que a gente não gosta mesmo de mulheres. Finalmente, a prova cabal é que as nossas atitudes são justificáveis, aceitáveis, esperadas e normais, mas quando as mulheres fazem exatamente o que fazemos isso dá um B.O. para elas.

Se elas pegam e não se apegam ou se querem apenas algo casual com alguém, nós as taxamos de quê? Se são solteiras convictas e preferem sua própria companhia a estarem em relacionamentos fixos, nós as chamamos de quê? Se usam uma roupa curta são chamadas de vulgares. Nós podemos tirar fotos sem camisa no instagram, mas as mulheres não podem sequer exemplificar, em um vídeo no instagram, como o exame do toque deve ser feito para prevenir o câncer de mama.

Se são mães, são atacadas ao amamentar a criança em público. Se ganham dinheiro, são competentes, têm opiniões ou temperamentos fortes estão de tpm, são mandonas, mal-amadas ou mal-comidas. A verdade é que não estamos à altura de muitas dessas mulheres que na história brasileira e mundial foram capazes de atos de coragem, altruísmo, dedicação e empatia que a nós homens nos faltam.

A propaganda do instagram perguntou se o seu belting usa calcinha. Vejamos, Alcione, Elza Soares, Claudia Leitte, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Marisa Monte, Marilia Mendonça... uma infinidade de cantoras excepcionais “beltam” muito, além de serem produtoras, compositoras, empresárias, mães e usarem muito a inteligência delas para não passar vergonha, por aí.

Sem contar todas as outras mulheres que têm marcado esta geração trazendo transformações sociais, intelectuais, políticas, econômicas e culturais de várias formas. Acho que não é a calcinha o fator que ativa o cérebro dessas mulheres e faz tudo isso acontecer, se fosse simples, assim, recomendaria veementemente: homens, usem calcinha.

*Doutor em Estudos Linguísticos – Pesquisador e Professor efetivo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) instagram: @nazareorientadora
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Comentários

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Margareth Apolinária Ferreira

03 de março, 2021 | 19:30

“Que texto legal!!!!
Infelizmente ser mulher ainda é barra pesada em pleno século XXI!”

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