26 de fevereiro, de 2021 | 09:00

Ipatinguense relembra carreira na arbitragem

Janette Mara Arcanjo bandeirou partidas de todas as divisões no Brasil, torneios mundo afora e chegou ao ápice da carreira na Copa do Mundo de Futebol Feminino do Canadá

Álbum pessoal
Janette bandeirou jogos importantes no Brasil, como o clássico Cruzeiro x AtléticoJanette bandeirou jogos importantes no Brasil, como o clássico Cruzeiro x Atlético

Pela primeira vez na história, um trio feminino atuou na arbitragem de uma partida de futebol em uma competição organizada pela Fifa. Isso ocorreu no último dia 7, quando a brasileira Edina Alves Batista apitou a partida entre Al Duhail e Ulsan Hyundai, pelo Mundial de Clubes 2020. Ela teve como assistentes a também brasileira Neuza Back e a argentina Mariana de Almeida. Esse momento único para a arbitragem é o avanço de uma história que começou em 1971, quando a mineira de Abaeté, Léa Campos, se torneou a primeira mulher árbitra de futebol do mundo, quando estreou num amistoso de futebol feminino no México. A história também teve outras figuras importantes, como a ipatinguense do bairro Ideal, Janette Mara Arcanjo, de 40 anos, que começou a carreira de assistente após fazer um curso de arbitragem ofertado pela Liga de Desportos de Ipatinga (LDI). Ela bandeirou jogos de diversas divisões no Brasil, competições internacionais e atingiu seu ápice na Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2015, no Canadá. Hoje a ex-assistente trabalha como professora.

No ano 2000, Janette havia terminado o Ensino Médio e não conseguiu aprovação em um vestibular para o curso de Direito. “Minha mãe viu na padaria um cartaz da LDI, que tinha aberto inscrições para novo curso de arbitragem, que pela primeira vez permitia mulheres. Ela me incentivou e eu fiz o curso”, contou Janette, que sempre gostou de assistir aos mais diversos esportes, além de ter praticado vôlei, handebol e futsal na escola.

Durante o curso, ela percebeu que sua vocação era bandeirar, e não apitar uma partida. Após concluir o curso da LDI, Janette começou a fazer preliminares no Ipatingão e bandeirar jogos do futebol amador.

“Em uma dessa preliminares, eu uma colega, Gilvânia, fomos convidadas por um representante da Federação Mineira de Futebol (FMF)”, lembra a ex-assistente. Em Belo Horizonte começou o processo, onde ela fez cursos para ser federada. “A partir daí comecei a atuar no campeonato amador da capital, nas categorias de base e também fiz Copa Itatiaia. Aos poucos me destaquei fisicamente até ser relacionada para fazer um teste visando o Módulo I (Primeira Divisão do Campeonato Mineiro)”, detalhou a ipatinguense, acrescentando que nessa época as mulheres precisavam atingir os mesmos índices dos homens para trabalhar na elite do Estadual. Ela conseguiu o objetivo e estreou na partida Atlético x Democrata-SL, em Sete Lagoas, em 2004. “Nesse mesmo ano fui indicada para o quadro nacional”, citou.

Depois de inserida no quadro de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Janette foi assistente em jogos das séries B, C e D do Campeonato Brasileiro. “Em 2012 fui indicada à aspirante Fifa, mesmo ano em que fiz minha estreia na Série A, ocasião em que bandeirei a partida Cruzeiro x Atlético”, contou ela, destacando que esse foi o jogo mais importante de sua carreira. “Foi a primeira vez que uma árbitra mineira trabalhou num clássico nosso no campeonato nacional”. O jogo teve como árbitro Paulo César de Oliveira, que é uma das referências da ipatinguense na arbitragem. “Também sempre admirei a Ana Paula (Oliveira, ex-assistente) e a Silvia Regina (de Oliveira, ex-árbitra)”, citou Janette.

Álbum pessoal
A ipatinguense fez parte do quadro da Fifa, o que a levou a bandeirar jogos na Copa do Mundo de 2015A ipatinguense fez parte do quadro da Fifa, o que a levou a bandeirar jogos na Copa do Mundo de 2015
Carreira internacional

O ano de 2012 foi muito produtivo para ela, não apenas no cenário nacional, mas também no internacional. Foi neste ano que Janette entrou para a Fifa e começou a trabalhar em campeonatos sul-americanos. “Comecei bandeirando no feminino, na Bolívia. Naquela época as mulheres só trabalham no futebol feminino, só agora isto está mudando”, apontou.

A carreira também seguiu por torneios em Algarve, em Portugal, e na Copa Libertadores, com partidas no Brasil e em outros países da América do Sul. “Em 2015 fiz seletiva no Catar e nesse ano consegui ir para a Copa do Mundo de 2015, no Canadá, que foi o auge da minha carreira”, relembrou.

Além da experiência dentro de campo, a convivência com pessoas de diferentes culturas em um mesmo torneio foi enriquecedor para a ipatinguense. “O sonho para qualquer um é chegar na competição de maior destaque de sua categoria. Para mim o ápice era a Copa. Ver meu trabalho de dedicação física, psicológica, controle nutricional e diversos outros fatores serem coroados com a convocação para uma Copa do Mundo é uma experiência maravilhosa. É indescritível aprender com tantas pessoas diferentes num mesmo ambiente”, relatou Janette, que fez sua estreia no Mundial na partida China x Holanda, que contou com uma boliviana e uma colombiana no trio de arbitragem. Ao todo, Janette bandeirou três partidas na Copa.

Se em 2015 ela foi a única brasileira no Mundial, em 2019 um trio feminino do Brasil atuou na Copa do Mundo Feminina, na França. “Esse trio voltou para o país e trabalhou na Série A, além de ter arbitrado no Mundial de Clubes da Fifa esse ano”, destacou Janette. “A Fifa tem se empenhado em inserir mulheres nos torneios masculinos. Houve evolução muito grande nos últimos anos. Acredito que mais mulheres estejam interessadas, tanto que o quadro internacional feminino aumentou o número de vagas no Brasil”.

Futebol masculino x feminino

Questionada se há diferença entre trabalhar em uma partida do futebol masculino e feminino, Janette ressaltou que cada um tem suas características. “Existe diferença sim. O masculino exige muito mais vigor físico. O feminino às vezes tem que lidar com questões que não tem no masculino, como ser mais criteriosa com faltas, saber quando é infração ou quando é falha técnica”, explicou.

Álbum pessoal
''Carreira tem percalços e exigências, mas vale a pena''''Carreira tem percalços e exigências, mas vale a pena''
VAR

O assistente de vídeo - Video Assistant Referee [VAR], inserido no futebol oficialmente na Copa do Mundo de 2018, na Rússia, vem gerando polêmicas ao redor do planeta, principalmente no Brasil. A cada rodada do Campeonato Brasileiro crescem as críticas dos clubes e da imprensa sobre a ferramenta tecnológica.

Para Janette Arcanjo, o VAR é importante, mas não está sendo bem utilizado. “Sempre fui a favor da tecnologia. O VAR é uma ferramenta bacana, mas tem que ser usado para tirar dúvidas e não para tomada de primeira decisão, que precisa ser do árbitro”, ponderou a ex-assistente. “Hoje o árbitro não toma decisão porque fica esperando o VAR para saber o que fazer. Há muitas divergências de conceitos e a interpretação tem que ser do árbitro e não do VAR. Impedimento, dentro ou fora da área, isso é coisa do VAR. Lance interpretativo é do arbitro de campo”, afirmou.

Adeus à arbitragem

Embora estivesse num momento de evolução dentro da arbitragem, a carreira de Janette Arcanjo acabou em 2015, mesmo ano em que participou do Mundial. “Quando voltei do Canadá estava pré-selecionada para as Olimpíadas de 2016 (no Rio), mas quando voltei não fui indicada para a Fifa no ano seguinte e ainda não sei o motivo”, contou a ipatinguense. “Indaguei à CBF, mas não tive resposta. Isso aconteceu comigo e com outras pessoas e vai continuar acontecendo”, lamentou.

Diante disso, Janette decidiu abandonar a carreira. “Enquanto dependesse de mim eu continuaria, se não, eu largaria. Foi golpe duro, voltei de uma Copa com carreira promissora e me tiraram do quadro internacional, aí não fez mais sentido”, disse.

Carreira atual

Hoje Janette Arcanjo trabalha como professora de português, inglês e espanhol na rede particular e estadual, em Belo Horizonte, cidade onde vive há mais de 20 anos. “Paralelamente, sempre trabalhei na escola mineira de arbitragem como professora de expressão oral e escrita, meu único vínculo hoje com a categoria”, contou a ipatinguense.

Para quem almeja seguir carreira na arbitragem, Janette dá o seguinte conselho: “Seja feliz com o objetivo que você pré-determinou. Nunca deixe seu emprego por arbitragem. Durante minha carreira sempre mantive meu trabalho de professora. Sempre faça seu melhor e vá até onde depende de ti. Dedique-se ao máximo. A carreira é linda e desejo sucesso àqueles que optarem por segui-la. Tem percalços e exigências, mas vale a pena. Se esforce ao máximo e seja diferenciado”, concluiu.


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Comentários

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Marco Loureiro

01 de março, 2021 | 13:09

“Me lembro de sua primeira atuação.
Uma menina meiga , mas com um brilho especial nos olhos, dona de educação singular e uma inquietude tímida. Lembro-me de seus primeiros gestos, da quebra de paradigmas e da luta silenciosa pelo seus Espaços. Demonstrou sempre que para avançar na vida indescritível e o objetivo com foco sempre vencem ao obscurantismo fácil. Janete Arcanjo uma mulher diferenciada pelas atitudes e resiliências, árbitra que fez história e que merece servir de inspiração às aspirantes dessa árdua mas gloriosa atividade. Meu abraço fraterno Deus a ilumine sempre. Marco Antônio LOUREIRO seu colega de arbitragem.”

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