19 de fevereiro, de 2021 | 14:16

Por que as escolas não deveriam reabrir antes da vacina?

William Passos *

“A posição de que as escolas não deveriam reabrir antes da vacina não nega as consequências nefastas do fechamento prolongado dessas unidades, nem os impactos significativos no bem-estar e na aprendizagem dos estudantes”

O Sindicato dos Professores do Ensino oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) criou uma ferramenta, alimentada com dados das próprias unidades escolares, para acompanhar os casos de covid-19 nas escolas públicas e privadas. Com duas semanas de retorno às aulas foram relatadas 551 contaminações entre professores, estudantes e trabalhadores de 334 escolas.

Ainda no ano passado, um estudo divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que a volta às aulas coloca em risco não apenas crianças, adolescentes, professores e funcionários de escolas, mas também outros 9,3 milhões de adultos e idosos, que estarão em contato com esses estudantes na mesma casa. A quantidade de pessoas foi calculada com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, realizada pelo IBGE. Esse cálculo, embora utilize dados do IBGE, não considera os resultados de outra importante pesquisa do Instituto, que apontam que cerca de 43% das crianças brasileiras ainda estudam em escolas sem sabão.

É muito importante destacar que o estudo da Fiocruz é o único, até o momento, que tenta estimar o impacto da reabertura das escolas no Brasil. Os estudos normalmente citados para justificar a reabertura consideram somente a realidade dos Estados Unidos e de alguns dos mais ricos países da Europa, tendo sido realizados pela Unicef, pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e pelo CDC da União Europeia. Nas escolas, desde o Ensino Fundamental, aprende-se nas aulas de Geografia que qualquer comparação dos Estados Unidos e da Europa com o Brasil é completamente absurda!

A posição de que as escolas não deveriam reabrir antes da vacina não nega as consequências nefastas do fechamento prolongado dessas unidades, nem os impactos significativos no bem-estar e na aprendizagem dos estudantes. Também não nega a evidência de que, quanto mais tempo crianças e adolescentes permanecerem fora da escola, menor a probabilidade de retornarem, o que ocorre especialmente nas famílias em situação de maior vulnerabilidade. Entretanto, este posicionamento, com o bom senso de quem parte da verdadeira realidade do país, considera que o Brasil só terá condições de efetivar a reabertura de verdade (e não uma reabertura de mentira, com menos de 50% dos alunos voltando) após a vacinação. Além disso, este posicionamento leva em consideração ainda dois importantes fatores: a prioridade da vida sobre a saúde e o fato de que os alunos estão tendo aula e os professores e diretores trabalhando dobrado ou triplicado com o ensino remoto emergencial.

Além da sobreposição do interesse financeiro sobre o direito à vida, à saúde e à educação, no caso das escolas particulares, e da sobreposição do negacionismo científico, ideologia que tem por finalidade idiotizar e ignorantizar as pessoas, no caso de alguns políticos, a defesa da reabertura das escolas passa pela visão de que as unidades escolares são, antes de tudo, depósitos de crianças e adolescentes, e não um lugar de formação e desenvolvimento intelectual e moral. Isso se reflete no baixíssimo comprometimento dos responsáveis com a vida escolar de seus filhos ou tutelados, que se concretiza no baixo comparecimento às reuniões escolares e no desconhecimento dos professores e do trabalho desenvolvido pelas escolas.

No caso dos governantes negacionistas, também sinaliza o descaso de quem não se interessa pela oferta de um ensino de qualidade, já que este significa desenvolvimento da capacidade de pensar e de perceber que quem sugere tratamento precoce para a mãe dos outros, mas dá vacina para a própria mãe, está, na verdade, passando o povo para trás! E um povo idiotizado e ignorante não percebe isso!

*Geógrafo, doutorando pelo IPPUR/UFRJ e colaborador do Jornal Diário do Aço. Email: [email protected]
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