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07 de dezembro, de 2020 | 13:52

Por que o Brasil não desenvolve uma vacina?

William Passos*

O Brasil tem dois grandes centros de pesquisa de saúde de renome internacional. Um deles é a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, do governo federal. Vinculada ao Ministério da Saúde, a Fiocruz é a mais prestigiada instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina. O outro é o Instituto Butantan, do governo estadual de São Paulo, o principal produtor de imunobiológicos do Brasil e um dos principais produtores das vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde. Ambos não apenas produzem conhecimento e tecnologia em saúde a nível internacional, como também formam recursos humanos altamente qualificados por meio de seus programas de pós-graduação. Mas diante disso, então, por que o Brasil não desenvolve uma vacina?

O problema é a falta de financiamento, ou seja, de dinheiro. O Brasil tem dinheiro, mas prefere direcioná-lo para outros países, em vez de usá-lo para o desenvolvimento da ciência nacional. Isso sempre aconteceu na história brasileira, com poucas exceções. Mesmo os governos eleitos com discurso patriótico costumam dar continuidade a essa política. Isso acontece porque o discurso é patriótico, mas os interesses não. Há pessoas que apoiam o governo, e às vezes até trabalham nele, que lucram com o desmonte do parque científico, tecnológico e de inovação brasileiro.

No Brasil, especialmente pelo fato de 95% da ciência ser produzida em instituições públicas, quase toda a pesquisa é bancada com recursos do governo. O governo federal dispõe de três "bancos" de fomento, sendo o CNPq e a Capes os principais (a outra é a Finep). Para reforçar, os estados também dispõem de fundações de apoio estaduais. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais dispõem, respectivamente, da Fapesp, Faperj e Fapemig.

Até 2014, os orçamentos da Capes, CNPq e Finep vinham numa crescente, tendo atingido quase R$ 16 bilhões naquele ano. Desde então, o governo federal vem impondo, a cada ano, cortes progressivamente draconianos, a ponto de, em 2020, em plena pandemia, quando mais se precisou da ciência, o orçamento científico brasileiro ter se reduzido a apenas R$ 5 bilhões, retrocendo ao patamar de 2006, cerca de uma década e meia atrás.

Com financiamento adequado, Fiocruz e Instituto Butantan poderiam desenvolver suas próprias vacinas, adaptadas às necessidades e às condições de armazenamento e distribuição do nosso país. Salvo poucas exceções, os governos estaduais também promoveram cortes indecentes no financiamento à ciência, inclusive o de São Paulo, que destina à Fapesp orçamento maior que o da Capes e CNPq. Sem dinheiro, o Instituto Butantan, mesmo dominando a tecnologia de produção de vacinas de vírus inativado, acabou firmando convênio com a farmacêutica chinesa Sinovac Life Science para a testagem da vacina CoronaVac, produzida a partir dessa mesma tecnologia. Ou seja, como não tem dinheiro para desenvolver uma vacina que ele mesmo sabe fazer, o Butantan está gastando o pouco dinheiro que tem (frente às necessidades) para testar a vacina de uma farmacêutica estrangeira e, assim, garantir o direito a parte da produção. Se desenvolvesse sua própria vacina, além do direito a produção total, o Butantan teria direito a patente da vacina, colocando o Brasil no clube das principais potências científicas do planeta no pós-pandemia, ao lado da China, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Rússia e Índia.

Em tempo: todo o trabalho de colaboração técnica e de comunicação científica com o Diário do Aço resulta de um projeto de pesquisa de Doutorado com financiamento não concomitante do CNPq e da Faperj, a quem agradeço publicamente o apoio. Viva a ciência brasileira!

*Geógrafo, doutorando pelo IPPUR/UFRJ e colaborador do Jornal Diário do Aço. Email: [email protected]
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Comentários

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Tião Aranha

09 de dezembro, 2020 | 13:33

“O dinheiro continua saindo pela porta dos fundos. Lá fora, eles dizem que neste país tudo funciona mais ou menos assim: - é o dinheiro e o poder calando tudo e todos. E quando o bicho 'pega' todos ficam caladinhos: ninguém viu nada; ninguém fala nada e ninguém "sabe de nada". (Herança colonialista).”

Fábio Martins da Cruz

07 de dezembro, 2020 | 22:47

“Bons esclarecimentos, necessários para se compreender como que funciona o sistema de pesquisas científicas no Brasil.”

Alex Sandro da Costa Barcelos

07 de dezembro, 2020 | 18:58

“Excelente crística aos rumos dos investimentos em ciências no nosso país. Deveríamos investir mais em P& D e isso significaria maior desenvolvimento e autonomia para nosso país!”

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