04 de novembro, de 2020 | 06:10

CNJ abre procedimento sobre conduta de juiz no caso de Mariana Ferrer

Em sentença de "estupro culposo", magistrado acatou argumentos de advogado e absolveu rico jovem catarinense acusado de estuprar influencer em uma festa

Reprodução
Mariana Ferrer, a audiência e o réu: o caso que terminou com uma sentença inédita de  'estupro culposo'Mariana Ferrer, a audiência e o réu: o caso que terminou com uma sentença inédita de 'estupro culposo'

A Corregedoria Nacional de Justiça informa que instaurou expediente para apurar a conduta do juiz de Direito, Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), na condução de audiência em processo criminal movido pelo Ministério Público estadual contra André de Camargo Aranha, no qual este é acusado da prática de suposto crime de estupro de vulnerável contra a jovem promoter catarinense Mariana Ferrer, de 23 anos, durante uma festa em 2018. .

O acusado do crime é empresário de jogadores de futebol e é visto com frequência ao lado de figuras como o ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário e Gabriel Jesus.

Na Reclamação Disciplinar a Corregedoria Nacional de Justiça requisitou informações sobre a existência de eventual apuração sobre o mesmo fato junto à Corregedoria-Geral do TJSC. A audiência virou um escândalo, depois que um vídeo do ato veio a público e mostra a vítima, na audiência, sendo humilhada em julgamento que terminou com sentença de "estupro culposo".

Portanto, André Aranha foi considerado inocente. Segundo o promotor responsável pelo caso, não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto intenção de estuprar – ou seja, uma espécie de ‘estupro culposo’. O juiz aceitou a argumentação e, ao sentenciar absolvição do réu, o juiz Rudson Marcos concordou com a tese do promotor e afirmou que é “melhor absolver 100 culpados do que condenar um inocente”.

A decisão jurídica, até então inédita, foi a "cereja do bolo" de um processo marcado por troca de delegados e promotores, sumiço de imagens e mudança de versão do acusado. Imagens da audiência mostram Mariana sendo humilhada pelo advogado de defesa de Aranha.

O advogado mostrou cópias de fotos sensuais produzidas pela jovem enquanto modelo profissional antes do crime como reforço ao argumento de que a relação foi consensual. O advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho analisou as imagens, que definiu como “ginecológicas”, sem ser questionado sobre a relação delas com o caso, e afirma que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana.

Ele também repreende o choro de Mariana: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo, isso não vai convencer ninguém”.

A jovem reclamou do interrogatório para o juiz. “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, diz.

As poucas interferências do juiz, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, ocorrem após as falas de Gastão. Em uma das situações, o juiz avisa Mariana que vai parar a gravação para que ela possa se recompor e tomar água e pede para o advogado manter um “bom nível”.

Apesar do processo correr em segredo de justiça, foi a própria Mariana que tornou seu caso público pelas redes sociais, em maio de 2019. Segundo ela, foi uma forma de pressionar a investigação que considerava parada devido à influência de Aranha.

Também uma conta numa mídia social, por meio do qual a vítima compartilhava o caso foi removida “devido a um processo judicial”. Segundo Mariana, Aranha teria solicitado a remoção do conteúdo na justiça. O perfil de Mariana no Instagram, em que ela compartilhava detalhes do caso, foi removido pela rede social em agosto.

Aranha é defendido no processo por Cláudio Gastão da Rosa Filho, um dos advogados mais caros de Santa Catarina. Ele já representou Olavo de Carvalho em uma ação movida contra o historiador Marco Antonio Villa e chegou a defender a ativista antiaborto Sara Winter quando ela foi presa pela Polícia Federal por manifestações contra o STF.

O estupro, segundo Mariana, teria ocorrido na noite de 15 de dezembro de 2018, na festa de abertura do verão Music Sunset do beach club Café de la Musique, em Jurerê Internacional, em Florianópolis, praia conhecida por ser point de ricos e famosos.

Um vídeo de câmera de segurança do bar mostra Mariana grogue subindo uma escada com a ajuda de Aranha em direção a um camarim restrito da casa. O primeiro promotor a assumir o caso, Alexandre Piazza, denunciou André de Camargo Aranha por estupro de vulnerável, quando a vítima está sob efeito de álcool ou de algum entorpecente e não é capaz de demonstrar consentimento ou de se defender.

Ele também pediu a prisão preventiva de Aranha, aceita pela justiça e depois derrubada em liminar na segunda instância pela defesa do empresário. Aranha cumpriu apenas medidas cautelares como a apreensão do passaporte.

O MP considerou como prova do estupro o material genético colhido na roupa de Mariana e um copo no qual Aranha bebeu água durante interrogatório na delegacia.

O promotor também levou em conta “as mensagens desconexas encaminhadas pela vítima aos seus colegas” após descer as escadas do camarim onde o crime ocorreu.

O entendimento do Ministério Público sobre o que aconteceu naquela noite, porém, mudou completamente na apresentação das alegações finais. O promotor Piazza deixou o caso para, segundo o MP, assumir outra promotoria, e quem pegou o processo foi Thiago Carriço de Oliveira. É nas alegações finais de Oliveira que aparece a tese do estupro “sem intenção”, que prevaleceu até o julgamento.


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Comentários

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Marcelo Costa Gravessan

05 de novembro, 2020 | 06:32

“Mariana Ferrer foi violentada por quatro homens brancos e ricos. O primeiro a estuprou, o segundo aceitou a tese de estupro culposo, o terceiro a humilhou, e o quarto terminou a violência, livrando a cara do primeiro.”

Gildázio Garcia Vitor

04 de novembro, 2020 | 18:15

“A justiça e a sociedade brasileiras sempre foram patriarcais, patrimonialistas e machistas. Mas o mundo e as pessoas mudaram e hoje não é mais possível continuar aceitando esse tipo de coisa.”

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