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03 de novembro, de 2020 | 14:11

Virtudes para um novo tempo

Gaudêncio Torquato *

“Saber administrar o tempo é, hoje, um dos desafios instigantes do nosso cotidiano”

Tempos de turbulência, tempos nervosos, ciclo do medo, paisagens mortuárias e locupletadas de doentes, aqui, ali e nas lonjuras do planeta. Hora da grande reflexão: o que tenho, o que sou e o que serei nesse novo mundo que ainda não mostrou de todo a cara? A reflexão de hoje é uma estreita vereda por onde podemos passar, sob a crença de que todo esforço se fará necessário para lapidarmos valores e virtudes ou mesmo tentarmos adquiri-las.

E não podemos perder tempo. Sêneca, o sábio, ao escrever sobre a brevidade da vida, ensina: "Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente, constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido".

Saber administrar o tempo é, hoje, um dos desafios instigantes do nosso cotidiano. O tempo não se mata. "Quem mata tempo é suicida", satirizava Millôr Fernandes. A reprimenda parte também do dramaturgo inglês H.D. Thoreau: "Como se fosse possível matar o tempo sem ferir a eternidade".

Mãos à obra. Tempos de prudência, que os estóicos consideravam “a ciência das coisas a fazer e a não fazer”, e que supõe o risco, a incerteza, o acaso, o desconhecido. André-Comte Sponville lembra bem, quando diz que a prudência sugere a ética da convicção ou, ainda, a ética da responsabilidade, nos termos de Max Weber. Somos impelidos a responder por nossos atos e por suas consequências.

Ao lado da prudência, impõe-se a virtude da moderação, tão importante nesses tempos agressivos que estamos presenciando. Não exagerar, não romper os limites de nossas identidades, desfrutar livremente da própria liberdade, contentar-se com pouco ou com o estritamente necessário, sem arroubos e extravagâncias que acabam roubando nosso estoque de bom senso. Já a intemperança, dizia Montaigne, é “a peste da volúpia”.

Tempos de pavonice, tempos de alta visibilidade, de desfiles canhestros na mídia para chamar a atenção de espectadores e ouvintes. Tempos de Luís XIV, que desfilava em Versailles em seu cavalo branco adornado de diamantes. Tempos do Estado-Espetáculo, onde atores e atrizes da política desfilam vaidades. Daí desponta o valor da humildade, que Sponville designa como “a virtude do homem que sabe não ser Deus”. Humildade, de “húmus” (terra), quer significar que somos filhos da terra. Os mais generosos costumam ser os mais humildes pela misericórdia e compaixão de seu caráter.

Tempos de dureza, de notícias tristes, pesadelos, ódio, com os opostos se matando nas arenas de vingança. Não é hora de criarmos um contraponto a esses tempos de desdita e maldição? Leiamos Ítalo Calvino em Seis Propostas para o Próximo Milênio, ao citar Leopardo ante o insustentável peso de viver: “imagens de extrema leveza, como os pássaros, a voz de uma mulher que canta na janela, a transparência do ar e, sobretudo, a lua”. Tentemos viver de modo mais leve, suave, evitando rompantes e atitudes tresloucadas.

Tempos de injustiça, de acusações malévolas, de fake news construídas para sujar a imagem de adversários. Então, busquemos a deusa Têmis, com sua balança e os dois pratos em equilíbrio, apontam para o estado da ordem e da igualdade. Dizia Kant: “é justa toda ação, cuja máxima permite que a livre vontade de qualquer um coexista com a liberdade de qualquer outro, segundo uma lei universal”. Sim, a justiça é a vontade de se atribuir a cada um o que lhe cabe.

Uma virtude leva à outra. A justiça se liga aos atos de boa fé, à sinceridade, à verdade. A boa fé suscita reconhecimento às qualidades humanas, sem exageros, na versão das Escrituras: nem um homem é capaz de acrescentar um palmo à sua altura. É o que é, nos moldes da construção divina. Tal verdade sugere afastar a gabolice, o estilo fanfarrão, a dissimulação, a arte de enganar. Todos devemos aspirar fidelidade ao que é verdadeiro.

Por fim, cultivar o amor. Amar o próximo deve significar praticar todos os deveres para com ele. Amar os entes queridos, praticar boas ações, eliminar eventuais doses de ódio que chegam nas ondas de intensa polarização política. Nietzsche anunciava: “o que fazemos por amor se consuma além do bem e do mal”.

* Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato
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Comentários

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Tião Aranha

03 de novembro, 2020 | 17:50

“Não tem como se fazer a projeção dum futuro promissor quando o homem se afasta de Deus. Daí a conclusão que o fracasso dum indivíduo está muito arraigado como causa da sua própria negligência e falta de Fé.
Quando jamais a sua Educação talvez não tivesse uma rotação completa e não fosse nunca o fruto para a sua missão aqui neste mundo; pois que, cada um deveria ser julgado não pelo espetáculo ou por aclamação duma maioria que erra ao agir brutalmente pelo instinto. E não pela razão da maioria dos oprimidos - já que muitos vivem porque veem os outros viverem - deixando de lado o puro florescimento no fundo do coração de cada indivíduo.”

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