26 de outubro, de 2020 | 13:48

O negacionismo

Gaudêncio Torquato *

“O fato é que o negacionismo, que tanto resistiu no passado, tenta reaparecer sob o véu da ignorância”

“A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. A frase do velho Karl Marx tornou-se um resistente refrão para ancorar textos, análises e comentários de palestrantes e analistas políticos. Muitos não concordam com a expressão, preferindo o conhecido pensamento de Heráclito de Éfeso, desenvolvido há mais de 2.500 anos: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio”. A razão: tudo se transforma de maneira constante e permanente. Na segunda tentativa, o homem está modificado e as águas não serão as mesmas.

O que pode se registrar, em determinado ciclo, principalmente na esfera da política, é a ocorrência de um fato, um incidente, uma confissão de cunho ideológico que conserva semelhanças com casos ou ditos do passado. Exemplo que sobe à tona: a revolta da vacina.

O caso ocorreu em meados de 1904, quando 1.800 internados no hospital São Sebastião, no RJ, levantaram o ânimo da população pobre para evitar tomar a vacina contra a varíola, produzida na época com o líquido de pústulas de vacas doentes. O uso para crianças tornou-se obrigatório em 1837 e para adultos em 1846. Oswaldo Cruz, nosso cientista, teve de lutar para motivar o governo a enviar ao Congresso o projeto de obrigatoriedade.

E o que estava também por trás da revolta? Questões políticas. Arrumava-se um pretexto para as forças políticas (principalmente monarquistas, militares, republicanos radicais e operários) forçarem a deposição do presidente Rodrigues Alves. Dito isto, pulemos para os dias de hoje.

A revolta contra a obrigatoriedade da vacina, patrocinada pelo presidente da República, mais parece uma jogada no tabuleiro do xadrez político. A conotação é clara: trata-se de um remédio chinês, ou em tradução que agrada as bases bolsonaristas, é uma “vacina comunista”. Se chegarmos a esmiuçar o argumento, emergirá o complô do QAnon, aquela maluquice difundida nos EUA, que embala o pacote de domínio comunista: pedofilia, tráfico de crianças e outras coisas estapafúrdias.

O que diz a lógica em um mundo que enfrenta a pandemia? Que vacina não tem cor ideológica e qualquer uma das 130 vacinas que estão sendo testadas pode ser aplicada, contanto que seja eficaz e aprovada pelos organismos de controle dos países. É incrível que alguns políticos e governantes (e até astronautas), vestindo-se de médicos, continuem a receitar a hidroxicloroquina e até vermífugos, quando organismos da ciência mundial batem na tecla: essas drogas não são eficazes contra a covid-19.

O fato é que o negacionismo, que tanto resistiu no passado, tenta reaparecer sob o véu da ignorância. Mas, agora, em nosso planeta a ciência é bem mais avançada que no passado. Existe um núcleo forte no governo que tenta puxar o cabo de guerra para os tempos de Galileu Galilei. Condenado à prisão por defender a tese de Copérnico de que a terra não ficava no centro do universo, e sim orbitava em torno do sol, Galileu foi obrigado a negar sua pregação e a viver confinado em prisão domiciliar.

Até que, em 31 de outubro de 1992, o papa João Paulo II reconheceu os enganos cometidos pelo tribunal eclesiástico que condenou Galileu à prisão. Essa revisão de posicionamento, portanto, ocorreu 350 anos após a morte do cientista italiano.

Os olhos dos negacionistas, a partir do presidente Jair, parecem tapados. Para eles, o isolamento social é besteira. Não enxergam uma segunda onda do vírus na Europa, espalhando-se pela Itália, França, Inglaterra e Alemanha, entre outros. Nos EUA, a maior democracia do planeta, os negacionistas também espalham versões, mas morrem às pencas.

Trump, que comanda a maior democracia do mundo, e Bolsonaro, que não perde a oportunidade de fazer loas ao magnata de uma cadeia de negócios, eles e seus assessores foram pegos pelo bicho. Mas se acham super-heróis. E parcela de seu eleitorado também assim se considera. Há como mudar a mente de um radical empedernido? Como fazê-los acreditar que, se uma parcela da população não tomar a vacina, poderá contaminar outras pessoas? Como provar a eles que a ciência não tem ideologia?

Governantes, governem para todos. Não apenas para apoiadores e simpatizantes. Sejam justos e magnânimos. Querem saber o que é isso? Eis a explicação de Platão: “o homem justo é aquele cuja alma racional impõe à alma desejante (prazeres e leviandade) a virtude da temperança e à alma colérica, a virtude da coragem, que deve controlar a raiva”. Eleitores radicais de qualquer lado: aceitem o jogo dos contrários, que faz parte da democracia.
Tentem aliviar o verbo cheio de ódio, a cara enfezada, a atitude de quem está sempre chamando para a briga. Levantem a bandeira branca da Paz.

* Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato. www.observatoriopolitico.org
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Comentários

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Tião Aranha

26 de outubro, 2020 | 18:25

“Realmente a história se repete como pressão internacional indelével agindo sobre o nosso frágil e instável sistema político. Só que naquela época da revolta das vacinas os meus de comunicação, e de transportes eram outros do uso de navios pra chegar aos países latinos.. Pro outro lado, falta a comprovação de a eficácia de resultados dessas vacinas em testes no que tange à imunização seja ela a genética, a viral, a de proteína e a de vírus. Na última assembleia da ONU, o grande líder chinês afirmou que, infelizmente, governantes de países estão brincando de fazer política usando das vacinas, /e quando isso ocorre põe em risco a vida das pessoas/. Santo Tomás, com conhecimentos filosóficos baseados em Platão e Aristóteles afirmava que a caminhada do homem aqui na Terra originava de Deus; e que deveria ser finalizado tendo como base o comportamento de vida do Espírito divino redundando com a morte do corpo. Mas parece que a doença causada pela Covid-19 já infestou a alma dos políticos. Se esquecem, que, quando essas almas subirem, não terão mais como infestar corpo algum, isso para a felicidade geral da nação. Como dizia o poeta Mario Quintana "A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa". Mais adiante ele diz: "A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará".
O bom seria se cada pessoa aplicasse no seu dia ? a - dia essas sábias mensagens do poeta e que procurasse, a partir de hoje, aplicar em nossas vidas e em nossas comunidades a vontade de Deus. A vida não passa dum sopro.”

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